RIO - Lá pelos idos de 2015, Emily Blunt recebeu um telefonema de Rob Marshall, diretor com quem tinha trabalhado no filme “Caminhos da floresta” (2014, versão para as telas do clássico musical “Into the woods”), com uma proposta indecente: estrelar uma continuação de “Mary Poppins”, monolito do cinema de 1964 que trazia ninguém menos do que a rebelde noviça Julie Andrews no papel da babá voadora. A conversa com Marshall (famoso por filmes como “Chicago” e um dos volumes da franquia “Piratas do Caribe”) era simples: a atriz inglesa de 35 anos embarcava no projeto com que o diretor sonhava desde que tinha visto o filme original, na infância, ou ele partiria para outra.
O resto, como o mundo já sabe, é história, que se conclui nesta quinta-feira com a estreia de “O retorno de Mary Poppins”, em que a babá de nariz empinado volta à casa da família Banks para dar uma força ao recém-viúvo Michael (Ben Whishaw), um bancário sem um tostão que tenta, com a ajuda da irmã, Jane (Emily Mortimer), criar os pequenos Anabel, John e Georgie.
— Emily Blunt é Mary Poppins — diz Marshall. — Eu me apaixonei por ela em “Caminhos da floresta”. Para fazer Mary você precisa ser uma grande atriz e entender a especificidade do personagem, uma mulher durona, mas, ao mesmo tempo, repleta de humanidade, e capaz de fazer rir. O humor dela é fundamental. E ela também tem que saber dançar e cantar. E também queria que ela fosse britânica, pronto, falei. É uma mulher iconicamente britânica. Se não fosse a Emily, não saberia o que fazer.
Depressão e Brexit
Como se vê, foi pequena a pressão nos ombros da atriz — que só cantou profissionalmente em “Caminhos da floresta”. Antes, tinha arranhado um violoncelo nos tempos de escola, na Inglaterra. Diferente do original, passado na década de 1910, o novo filme acontece nos anos 1930, como no livro da australiana (também radicada na Inglaterra) P.L. Travers. O que significa que Londres é ainda mais cinza do que o normal, mergulhada em uma crise econômica decorrente da Grande Depressão de 1929. Isso encontra um paralelo na vida real: quando o processo começou, em 2015, o Reino Unido ainda não tinha promovido o referendo que decidiu por sua saída da União Europeia — o Brexit, em discussão até hoje.
— Mary Poppins surgiu em 1934, logo após a Grande Depressão — conta Marshall. — A ideia é de uma mulher, uma figura mágica, tentando trazer alegria e deslumbramento para uma família e uma sensibilidade juvenil para os adultos, que perderam a capacidade de se conectar com o mágico por conta das dificuldades da vida real.
— Lin traz para o filme um quê fundamental de contemporaneidade — elogia o diretor. — Ele tem uma pureza, que, como o personagem, é essencial para fazer par com a Mary de Emily. Também é muito significativo ele ter decidido que este seria seu primeiro projeto depois de “Hamilton”. O filme se passa em 1934, mas foi feito em 2018. O personagem é um homem do povo. Lin entende isso como ninguém.