A casa da minha infância, em Nova-Cruz (RN), era vizinha à de Dona Júlia, minha avó paterna, onde havia um enorme quintal. Eu acordava cedo e corria logo para lá, ao encontro das goiabeiras, colher as minhas frutas preferidas.
Minha avó sempre dizia que eu iria ficar com o pescoço defeituoso, de tanto olhar para cima, procurando goiaba. No quintal, havia uma vara com um gancho, próprio para esse fim, o que facilitava o trabalho, quando as goiabas brotavam nos galhos altos. As mangas caíam sozinhas.
Eu vivia com os pés cheios de frieira, pois, contrariando as ordens da minha mãe e da minha avó, eu entrava descalça no chiqueiro dos porcos, onde também havia pinhas maduras. Sem as sandálias, podia subir melhor nas pinheiras.
O chiqueiro dos porcos, no interior nordestino, é uma fonte de micoses e fungos. Os porcos são animais injustiçados. Os criadores inventaram que eles são sujos e não tem paladar. Por isso, os criam na lama e os alimentam com restos de comida. São criados no desconforto, com fama de mal-cheirosos e sujos. No Sul, o tratamento dado aos porcos é diferente. As pocilgas são amplas e limpas.
Está provado que os porcos nunca utilizam o local em que comem e dormem, para fazer suas necessidades fisiológicas. Isso só acontece quando não há espaço suficiente. Eles adoram tomar banho dentro d’água. Deitam-se na terra molhada, porque não conseguem transpirar. São, praticamente, obrigados a se deitar na lama.
Voltando à “Frieira”, ela provocava uma coceira desesperadora e incontrolável nos pés, principalmente entre os dedos. E eu coçava até sangrar… Às vezes, os pés ardiam tanto, que se tornava impossível até o uso de chinelo.
“A frieira é uma infecção provocada pelos fungos Trichophyton mentagrophytes ou Trichophyton rubrum, que ataca preferencialmente a sola dos pés e os espaços entre os dedos. Conhecida também como tinea pedis ou pé de atleta, a frieira é a micose de pele mais comum no mundo. “
Certa vez, meus pés ficaram tão inflamados, e com o aspecto tão feio, que o “Unguento Maravilhoso”, vendido na farmácia de Nova-Cruz, não estava mais surtindo efeito. Por sorte, coincidiu que, à noite, Nova-Cruz seria palco de um grandioso comício, com a presença do renomado médico norte-riograndense, Dr. Vulpiano Cavalcanti, líder do antigo Partido Comunista Brasileiro, posteriormente transformado em PC do B (1962).
Depois desse esperado comício, meu tio Paulo Bezerra, correligionário e amigo pessoal do Dr. Vulpiano Cavalcanti, levou-o para jantar em sua casa, que era vizinha à nossa.
Tio Paulo aproveitou a ocasião e também o levou até a nossa casa, para ver o estado dos meus pés. À luz de candeeiro, Dr. Vulpiano Cavalcanti examinou meus pés e prescreveu uma fórmula, a ser manipulada em Natal, com urgência, para ser aplicada sobre eles três vezes ao dia, e durante 60 dias. Foi um santo remédio.
A partir de então, para minha tristeza, fui definitivamente proibida de andar de pés descalços no quintal da casa de Dona Júlia.
Mas, esse quintal nunca saiu dos meus sonhos e faz parte das minhas saudades. Era um paraíso particular, onde, de manhã cedo, ouvia-se o cantar dos passarinhos e se sentia o cheiro das frutas frescas, misturado com o cheiro do mato verde.
Ainda hoje, sofro da nostalgia do quintal, recanto sagrado que faz parte das lembranças da minha infância.
Tenho pena das crianças que, na vida moderna, não desfrutam mais das coisas da natureza e não sabem como é gostoso brincar num quintal. Elas não conhecem a paz que existe nesse recanto do paraíso, cujo cheiro nos acompanha por toda a vida, povoando nossos sonhos.
Toda criança precisa conhecer um quintal, onde possa brincar, correr, saborear uma fruta colhida por ela mesma, e onde possa, de manhã cedo, ouvir o cantar dos passarinhos, o “có có có” das galinhas “de verdade” e o “glu glu glu” dos perus.
Longe desse insensato mundo do Celular e da Televisão.