Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Literatura - Contos e Crônicas sábado, 29 de janeiro de 2022

O PRESTÍGIO DO ROUGE (CONTO DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

O PRESTÍGIO DO ROUGE 

Humberto de Campos

 

 

 

Quando a gripe devorava, no Rio de janeiro, diariamente, centenas de vidas, a porta do Céu fazia, recordar, lá em cima, as portas de cinema, em dia de programa sensacional. Homens, mulheres, crianças, pessoas cuja morte estava iminente ou marcada para uma época muito distante, amontoavam-se diante da grande fachada refulgente de estrelas, reclamando, com o bilhete de entrada, o prêmio das suas boas obras ou do seu martírio.

 

— Antônio Esmeraldino Gomes de Albuquerque! — chamava, em voz alta, o santo do dia, lendo uma lista de nomes.

 

— Presente! — respondia o invocado, encaminhando-se para a porta.

 

São Pedro conferia os sinais da pessoa e dava-lhe, então, entrada, entre o coro festivo dos anjos.

 

Uma tarde, porém, chegou à fachada do Paraíso, entre milhares de vítimas da epidemia, uma senhora de uns quarenta e tantos anos, vitimada naquele dia. Pálida, com os lábios alvos como a cera dos círios que deixara na terra, a sua fisionomia denunciava cansaço, tristeza, sofrimento. De repente, chamaram um nome:

 

— D. Luíza Gonçalves Pedreira.

 

— Presente! — confirmou a nobre defunta, pondo, já um dos pés no batente sagrado.

 

Uma grande mão desceu, porém, sobre o seu ombro, detendo-a.

 

— É a senhora? — indagou, severo, o chaveiro.

 

— Sou eu mesma, meu santo!

 

— Mas a outra, a que vivia na terra, tinha, segundo os sinais que me fornecem, as faces muito coradas.

 

A dama não respondeu.

 

— E os lábios muito vermelhos.

 

Novo silêncio.

 

— E os cabelos muito negros.

 

Silêncio ainda.

 

— E umas olheiras muito pronunciadas.

 

Nesse ponto, antes que a enumeração tomasse um caráter comprometedor, D. Luisinha teve uma ideia: mergulhou as mãozinhas pálidas no forro da mortalha, arrancou de lá um lápis de "rouge", um pedaço de bistre, um canudo de cosmético, penteou-se, empoou-se, endireitou-se, e, levantando a cabeça, encarou o apóstolo.

 

— Pronto! — exclamou a dama.

 

São Pedro mirou-a, sorrindo. E, escancarando a porta, convidou:

 

— Ahn! É a senhora mesmo... Entre!

 

E ela entrou.


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