O cio dos pingos e a explosão do orgasmo da Natureza
A cadeira “espreguiçadeira” de madeira, com assento e forro de lona antiga, como ainda há em muitos lugares que preservam as coisas antigas e confortáveis, estava colocada próximo da janela, para aproveitar a claridade da luz do dia e facilitar a leitura do livro MALCOLM X.
A magia da Natureza chamou a atenção com a claridade intempestiva provocada pelos raios que, trazendo recados divinos, pareciam dizer:
– “Preste atenção na poesia que vou escrever para leitura e compreensão dos sensíveis”!
Fechei o livro, arrumando bem o marcador de leitura, e atendi à ordem recebida emanada dos raios e, agora, dos trovões. Não. Não era uma tempestade. Era tão somente a declamação de um poema da Natureza. Na linguagem de libras.
Olhei para a parte superior da janela protegida com vidro, onde os pingos e respingos dançavam um balé mágico ao som do “barulho silencioso” e acariciante que o cair da chuva produzia ao cair no chão.
Fixei o olhar num pingo diante da insistência dele em chamar atenção. Caindo, arrastava para si pingos e provavelmente “pingas”, até formar uma gota com ares de “gota rainha”, ou “pingo rei”.
Acompanhei com os olhos a descida, para ver o que aconteceria ao final daquela procura insaciável da existência e da transformação – ou, quem sabe, da criação de pontes e laços que gerassem uma reprodução.
E, lá vinha ele, o pingo, que fora pinguinho segundos antes, e agora já era um pingão. Continuava escrevendo os versos de uma poesia no percurso da formatação.
E lá vem ele!
Descendo.
Crescendo!
Naquela descida, um desvio para a esquerda, que mostrava que a mudança do percurso não seria em vão. E continuou descendo e desviando para a esquerda para se aproximar do que entendera ser a sua parceira.
Os dois pingos se absorveram, se entrelaçaram ao mesmo tempo que um trovão ainda mais sonoro parecia dar vivas e agradecer aos céus aquilo que, com certeza, era uma cena de amor.
Um relâmpago iluminou o encontro e deu vivas.
Aquele encontro aumentou o tamanho do pingo que, por segundos que pareciam minutos, numa velocidade de milhares de anos-luz, parecendo atingir o orgasmo agora em dois, caíram no chão e se dividiram em incontáveis partes, saciando o cio de ambos para garantir a ordem reprodutiva da Natureza.
Satisfeito, e ao mesmo tempo embevecido, voltei ao marcador de páginas e retomei a leitura, enquanto centenas de milhares de pingos escreviam nas janelas a poesia da reprodução.