“Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.”
“Amor é fogo que arde sem se ver” é um soneto de Luís Vaz de Camões (1524-1580), um dos maiores escritores portugueses de todos os tempos. O famoso poema foi publicado na segunda edição da obra Rimas, lançada em 1598.
Dona Lia, minha querida mãe, que há 24 anos se encantou (19.04.1999), ficava triste, sem saber por que, quando ouvia a canção napolitana “TORNA A SURRIENTO”. Durante toda a sua vida, minha Mãe se emocionou, ao ouvir essa lindíssima música. Ela dizia que aquela música mexia com o coração dela. Sentia uma mágoa que vinha de dentro, uma saudade que ela não sabia de que, nem por que. Não entendia porque essa música mexia tanto com ela. Aquele sentimento “que não se vê, e dói não sei por que”, como disse Camões. Era uma saudade que ela não identificava.
Certa vez, conversando com sua velha tia Idyla Lima, tocou nesse assunto, e ficou sabendo por ela, o que tinha a ver essa música com a tristeza que ela sentia, sempre que a ouvia, a ponto de vir às lágrimas.
Disse-lhe a tia Idyla, que, poucos dias depois da morte de sua irmã, a poetisa Anna Lima, que morreu de parto em 1918, deixando seis filhos órfãos, inclusive minha mãe com quatro anos, a levou, junto com os irmãos, num domingo à tarde, para distrai-los, a um teatro, onde uma importante orquestra daria um concerto.
Pois bem. Essa orquestra, entre outras músicas, tocou a belíssima música italiana, “TORNA A SURRIENTO”. Esse fato e a beleza da música marcaram tanto a alma da minha mãe, criança de quatro anos, que, até o fim da sua vida, se ouvisse essa música, se emocionava, a ponto de chegar às lágrimas. Antes, chorava sem saber por que. Mas, depois que soube pela tia Idyla, que aquela era a música de grande sucesso na época em que ocorreu a morte de sua mãe, Anna Lima, a emoção passou a ser maior, pois conheceu a história, e isso a marcou.
Torna a Surriento é uma famosa canção napolitana, composta por Ernesto de Curtis e Giambattista de Curtis, em 1902, sendo registrada oficialmente em 1905. Vários intérpretes a gravaram, como Benjamino Gigli, José Carreras, Plácido Domingo, Luciano Pavarotti, Mario Lanza, Robertino Loretti e outros. Serviu de base para várias versões. Na língua inglesa, a mais famosa é Surrender, de Elvis Presley, de 1961.
Pois bem. As tias queriam adotar os órfãos de mãe, mas o viúvo, Celestino Pimentel, não concordou. Poucos meses depois de viúvo, ele contraiu novas núpcias, para sanar o problema dos filhos, muito mais do que por amor à nova esposa.
Lia, que anos depois se casou com Francisco Bezerra, e os dois vieram a ser meus pais e dos meus cinco irmãos, não se lembrava das feições de Anna Lima, nem da convivência com ela. Só a conhecia por retrato, por tê-la perdido em tenra idade. Somente os filhos mais velhos de Anna Lima se lembravam, vagamente, da mãe.
“O amor é a força mais sutil do mundo”. (Gandhi)
E o amor materno é o sentimento mais forte do mundo.
Imagino a aflição da poetisa Anna Lima, minha avó materna, ao sentir que iria morrer e deixar seis crianças órfãs. E o pavor das crianças, ao verem a mãe se encantar para sempre, sem contar nunca mais com o aconchego e o amor dessa mãe extremada, que vivia para os seus “querubins”, como dizia em versos. Eles eram a maior razão da sua vida.