O POÇO DOS MEDEIROS
Ferreira Gullar
Não quero a poesia, o capricho
do poema: quero
reaver a manhã que virou lixo
quero a voz
a tua a minha
aberta no ar como fruta na casa
fora da casa
a voz
dizendo coisas banais
entre risos e ralhos
na vertigem do dia;
não a poesia
o poema o discurso limpo
onde a morte não grita
A mentira
não me alimenta:
alimentam-me
as águas
ainda que sujas e rasas
afogadas
do velho poço
hoje entulhado
onde outrora sorrimos