Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

José de Oliveira Ramos - Enxugando Gelo segunda, 28 de setembro de 2020

O PARTO E O PATO (CRÔNICA DE JOSÉ DE OLIVEIRA RAMOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O PARTO E O PATO

A “parteira” e o bebê

Tudo tem seu começo, meio e fim. Tudo que tem vida passa por essas escalas da Natureza. O ciclo vital.

Menino ainda, sem conhecer o prazer de fazer e a alegria de ver nascer, levei algum tempo para entender a “diferença” entre o sentar à mesa para uma refeição em família, e o entrar na camarinha para ver uma criança nascendo.

Era assim naquele tempo que está distante. Só permaneceu na memória e na poesia da saudade. E, da mesma forma, era ali naquele não ter nada de nosso, que a Fé semeava a esperança para nos premiar com a colheita de dias melhores. Cada criança que nascia, era a forma prática da colheita da esperança.

O choro era o bom anúncio do resultado daquela torcida empurrada pelos “força”, mais “força”, tá nascendo. Aguenta firme!

Antes, o cenário mostrava uma bacia de ágata com água quente e uma jarra com água fria para a necessidade de “esfriar um pouco”. Uma tesoura com pouco uso, mas muito antiga, era o único instrumento cirúrgico usado por Dona Tina (Esmerantina Costa), madrinha e comadre de quase todas as famílias daquele povoado. “Parturiou” quase todas as mulheres e aparou quase todas crianças que ali nasceram.

Bacia de ágata usada na assepsia do recém nascido

– É um menino!

Um anúncio feito em estridente grito por Dona Tina, encerrava a expectativa do nascimento de mais um rebento, ornamentado pela possibilidade de boa saúde da criança e da mãe. O futuro não lhes pertencia – mas, naquele instante, era reforçado pela esperança semeada pela Fé, de que tudo seria só felicidade.

A tesoura que cortava o cordão umbilical – nunca se teve notícia de infecção

O corte e a sutura do cordão umbilical acompanhado pela imersão na água para a assepsia, coroavam o trabalho de parto de Dona Tina em “Donana” (Ana Beatriz) que, automaticamente, se transformava em “Comadre Tina”.

Abraços e parabéns e a primeira mamada da nova mãe. Sem charutos nem champanhes, na cozinha o furdunço era intenso na preparação do enorme pato “cevado” especialmente para aquele momento de alegria.

– “Donana” num pode cumê pato, gente!

Era o principal conselho da agora Comadre Tina. A solução era abater aquela galinha, também cevada com carinho para a oportunidade. Por três dias, só “Donana” comeria daquela galinha de parida. Mas, o que ela mais gostava era de beber o caldo.

Três ou quatro mulheres preparavam o “dicumê festivo”, enfeitado e reforçado por uma paçoca de castanha de caju com charque, as duas socadas num pilão batido a quatro mãos. A paçoca substituía a farinha seca – mas continha parte dela. O arroz colhido na pequena roça fazia parte de tudo. Torrado e pilado, além de posteriormente lavado e escorrido na “arupemba”. Tinha sabor especial. Aquele gostinho de queimado sem ser “queimado”.

O pato que pagava o pato

– Já mataro o pato?

Era a pergunta feita por Comadre Salustiana, convidada especialmente para comandar a cozinha naquele dia – por conta dos trabalhos de parto de “Donana”.

– Inda não!….. respondeu Abigail, ocupada em preparar a paçoca no pilão.

– Apois adindonde que tá o danisco?

Quis saber Salustiana, já portando uma faca e uma bacia com um pouco de vinagre.

– Tá ali, amarradim, o coitado! Respondeu toda pesarosa Abigail.

Com tantas auxiliares naquele dia especial, preparar o almoço para alguns convidados não era tarefa difícil. Parto feito, pato abatido e comida a caminho da mesa. Sangrar o pato, cortar e fazer o molho pardo, naquele lugar parecia ser muito mais fácil que fazer um parto. O parto é a primeira etapa e o pato a consumação.

Pato ao molho pardo

Chegava a hora do servir. Salustiana serviu às crianças (a mim, inclusive) e mandou que fossem para o alpendre da casa. Quem quisesse mais, poderia vir pedir.

Finalmente, a oração. Oração pela chegada de mais um rebento com saúde. Oração pela pronta recuperação da mãe – já em preparativos para daqui a dois meses começar a fazer mais um. Era assim que a coisa era naquele interior cearense.

Almoço comido. Todos alegres e satisfeitos. Agora era esperar o café, mas quem quisesse ir embora ficava à vontade.

– Compadre Augusto, vosmecê aceita batizar meu menino?

– Depende compadre. Cuma é o nome que vosmecê quer botar nele?

– “Getúio”, compadre!

– Eita meu compadre! Bom nome. Bem escoído. Nome de Presidente da República!


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