A “parteira” e o bebê
Tudo tem seu começo, meio e fim. Tudo que tem vida passa por essas escalas da Natureza. O ciclo vital.
Menino ainda, sem conhecer o prazer de fazer e a alegria de ver nascer, levei algum tempo para entender a “diferença” entre o sentar à mesa para uma refeição em família, e o entrar na camarinha para ver uma criança nascendo.
Era assim naquele tempo que está distante. Só permaneceu na memória e na poesia da saudade. E, da mesma forma, era ali naquele não ter nada de nosso, que a Fé semeava a esperança para nos premiar com a colheita de dias melhores. Cada criança que nascia, era a forma prática da colheita da esperança.
O choro era o bom anúncio do resultado daquela torcida empurrada pelos “força”, mais “força”, tá nascendo. Aguenta firme!
Antes, o cenário mostrava uma bacia de ágata com água quente e uma jarra com água fria para a necessidade de “esfriar um pouco”. Uma tesoura com pouco uso, mas muito antiga, era o único instrumento cirúrgico usado por Dona Tina (Esmerantina Costa), madrinha e comadre de quase todas as famílias daquele povoado. “Parturiou” quase todas as mulheres e aparou quase todas crianças que ali nasceram.
Bacia de ágata usada na assepsia do recém nascido
– É um menino!
Um anúncio feito em estridente grito por Dona Tina, encerrava a expectativa do nascimento de mais um rebento, ornamentado pela possibilidade de boa saúde da criança e da mãe. O futuro não lhes pertencia – mas, naquele instante, era reforçado pela esperança semeada pela Fé, de que tudo seria só felicidade.
A tesoura que cortava o cordão umbilical – nunca se teve notícia de infecção
O corte e a sutura do cordão umbilical acompanhado pela imersão na água para a assepsia, coroavam o trabalho de parto de Dona Tina em “Donana” (Ana Beatriz) que, automaticamente, se transformava em “Comadre Tina”.
Abraços e parabéns e a primeira mamada da nova mãe. Sem charutos nem champanhes, na cozinha o furdunço era intenso na preparação do enorme pato “cevado” especialmente para aquele momento de alegria.
– “Donana” num pode cumê pato, gente!
Era o principal conselho da agora Comadre Tina. A solução era abater aquela galinha, também cevada com carinho para a oportunidade. Por três dias, só “Donana” comeria daquela galinha de parida. Mas, o que ela mais gostava era de beber o caldo.
Três ou quatro mulheres preparavam o “dicumê festivo”, enfeitado e reforçado por uma paçoca de castanha de caju com charque, as duas socadas num pilão batido a quatro mãos. A paçoca substituía a farinha seca – mas continha parte dela. O arroz colhido na pequena roça fazia parte de tudo. Torrado e pilado, além de posteriormente lavado e escorrido na “arupemba”. Tinha sabor especial. Aquele gostinho de queimado sem ser “queimado”.
O pato que pagava o pato
– Já mataro o pato?
Era a pergunta feita por Comadre Salustiana, convidada especialmente para comandar a cozinha naquele dia – por conta dos trabalhos de parto de “Donana”.
– Inda não!….. respondeu Abigail, ocupada em preparar a paçoca no pilão.
– Apois adindonde que tá o danisco?
Quis saber Salustiana, já portando uma faca e uma bacia com um pouco de vinagre.
– Tá ali, amarradim, o coitado! Respondeu toda pesarosa Abigail.
Com tantas auxiliares naquele dia especial, preparar o almoço para alguns convidados não era tarefa difícil. Parto feito, pato abatido e comida a caminho da mesa. Sangrar o pato, cortar e fazer o molho pardo, naquele lugar parecia ser muito mais fácil que fazer um parto. O parto é a primeira etapa e o pato a consumação.
Pato ao molho pardo
Chegava a hora do servir. Salustiana serviu às crianças (a mim, inclusive) e mandou que fossem para o alpendre da casa. Quem quisesse mais, poderia vir pedir.
Finalmente, a oração. Oração pela chegada de mais um rebento com saúde. Oração pela pronta recuperação da mãe – já em preparativos para daqui a dois meses começar a fazer mais um. Era assim que a coisa era naquele interior cearense.
Almoço comido. Todos alegres e satisfeitos. Agora era esperar o café, mas quem quisesse ir embora ficava à vontade.
– Compadre Augusto, vosmecê aceita batizar meu menino?
– Depende compadre. Cuma é o nome que vosmecê quer botar nele?
– “Getúio”, compadre!
– Eita meu compadre! Bom nome. Bem escoído. Nome de Presidente da República!