Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Do Jumento ao Parlamento sexta, 16 de dezembro de 2016

O PALHAÇO O QUE É?

DO LIVRO DO JUMENTO AO PARLAMENTO

O PALHAÇO O QUE É?

Raimundo Floriano

 

Hoje tem marmelada!

 

                        1956! Eita ano danadinho de rançoso para mim!

 

                        De bom, mesmo, só as glórias do futebol balsense. Durou mais de quatrocentos dias, parecia não querer acabar, arrastando-se naquele calorão teresinense!

 

                        O ano anterior fora de altas bonanças, bolso cheio, folgança e divertimento. Incorporado ao Exército Brasileiro, em fevereiro, no 25º Batalhão de Caçadores, em junho já era promovido a cabo. E, como prêmio por ter logrado o 1º lugar na CPP - Companhia de Petrechos Pesados, cabo desarranchado. Isso significava muita grana. Quando o salário mínimo era de Cr$2.400,00, e o empresariado piauiense só pagava, na realidade, Cr$1.500,00, um cabo desarranchado ganhava Cr$4.500,00. Tal bem-aventurança se prolongou inesperadamente, pois, em novembro, época em que deveria dar baixa, fui beneficiado pela decretação de um estado de sítio, o que me proporcionou a permanência até fevereiro naquela tranquilidade financeira.

 

                        Licenciado do serviço ativo, estava eu ali, “vendo alma”, como se diz em Teresina, tomando chupa de laranja de boca de jumento.

 

                        Meu pai até que tentara ajudar, enviando carta a um primo de minha mãe, Benedito Vasconcelos, o Beni, gerente do Banco do Brasil naquela capital, solicitando-lhe o empenho em me arranjar um emprego no comércio, qualquer coisa. Beni, parente amigo e obsequioso, preferiu oferecer-me sua residência para que nela, com casa e comida, eu pudesse continuar meus estudos. Só aceitei essa ajuda porque tencionava prestar, no fim do ano, exames para a Escola de Sargentos da Armas - ESA, o que veio a ocorrer. Com minha aprovação, retornei no ano seguinte ao Exército, dando início à carreira que me propiciou condições de, mais tarde, através de concurso público de âmbito nacional, ingressar na Câmara dos Deputados, em Brasília, onde, em 1991, me aposentei.

 

                        Mas voltando à pindaíba, embora a mesa do Beni fosse farta e de primeira, faltava-me o trocado até para o cigarro. Aos vinte anos, essa prontidão era de lascar, doía fundo.

 

                        Certo dia, deparei, na Praça Rio Branco, com ex-companheiro de farda, o Adriano, ou melhor, o Jatobá, palhaço e acrobata de circo, cuja trupe se encontrava em exibição no bairro Piçarra. Conversa vai, conversa vem, contei-lhe minha desventura monetária, e ele, penalizado, prontamente me acenou com uma viração lá no circo, não era coisa muita, apenas para garantir o vício tabagista.

 

                        Ante meus argumentos de que nada entendia do metiê, Jatobá até me animou, dizendo que aquilo seria moleza, e que eu iria mesmo era resolver um problema deles, pois necessitavam de um substituto para o ajudante de palhaço, que adoecera. Nessa função, também chamada de escada – explicou-me –, eu contracenaria com ele, preparando a piada e sempre levando a pior no seu final. Comecei no dia seguinte.

 

                        O Cometa do Norte não tinha cobertura nem camarotes, só a arquibancada acomodava o respeitável público. Seu proprietário, Mister Kapa, era trapezista, mágico e hipnotizador. Jatobá, além de palhaço e trapezista, se apresentava também nas argolas. Havia outros artistas, cujos nomes não me ocorrem, e a rumbeira Francisquinha, que dançava seminua, rebolando e cantando paródias com letras bem apimentadas, constituindo-se na segunda atração da companhia. A primeira, o grande sucesso daquele mambembe, era a peça teatral que, com chave de ouro, fechava cada noite de espetáculo.

 

                        Acumulei o ofício de escada com o de relações públicas, fazendo propaganda pelas ruas do bairro. Não havia televisão e, ademais, o circo não dispunha de recursos sequer para anúncio no rádio ou no jornal. A publicidade era feita no gogó mesmo, na forma usual em todos os circos de igual porte. Como eu não sabia andar de pernas de pau, utilizava outro meio, também muito conhecido: um jumento alugado. Às tardes, montado nele, de costas para a frente, ou de frente para o rabo, como preferirem, cara pintada, eu apregoava o evento de logo mais, seguido por ensaiado pelotão de meninos que, após a passeata, eram marcados com uma cruz na testa, o que lhes garantia a entrada grátis no show.

 

                        Pelo que ainda me lembro, eu cantava, e a molecada respondia, como segue:

 

                        – O raio do Sol suspende a Lua!

                        – É o palhaço que está na rua!

                        – O raio do Sol suspende a Lua!

                        – É o palhaço que está na rua!

                        – Tombei, tombei, mandei tombar!

                        – Pedra fina no meio do mar!

                        – Essa noite, à meia-noite, o pinto piou no ovo!

                        – Foi a mulher do padeiro que teve um padeiro novo!

                        – Ô bela menina, vá dizer a sua patroa!

                        – Que hoje lá no circo há novidade e coisa boa

                        – O balanceiro da usina tá danado pra roubar!

                        – Tanto rouba na balança, quanto rouba no pesar!

                        – O cachorro quando late no buraco do tatu!

                        – Bota escuma pela boca e chocolate pelos olhos!

                        – Olha o toco no caminho!

                        – Arriba o pé!

                        – Olha o toco no caminho!

                        – Arriba o pé!

                        – Pisei na copa de meu chapéu!

                        – Mulher papuda não vai pro céu!

                        – A cama da velha não tem lençol!

                        – Por riba e por baixo é molambo só!

                        – Eu vou ali mas volto já!

                        – Vou comer maracujá!

                        – Dona Mariquinha, meu cachorro entrou aí?

                        – Entrou, entrou mas tornou a sair!

                        – Ai, Miquelina, se eu fosse como tu!

                        – Tirava a mão do bolso e enfiava no outro bolso!

                        – Mamãe, olha ela!

                        – Olha a cara dela!

                        – Mamãe, olha ela!

                        – Olha a cara dela!

                        – Eu vou-me embora, eu vou-me embora!

                        – Adeus, adeus!

                        – Segunda-feira que vem!

                        – Adeus, adeus!

                        – Quem não me conhece chora!

                        – Adeus, adeus!

                        – Que dirá quem me quer bem?

                        – Adeus, adeus!

                        – Ô João Gouveia!

                        – Sapato e meia!

                        – Ô João Gouveia!

                        – Sapato e meia!

                        – O tatu subiu no pau!

                        – É mentira do palhaço!

                        – Olha o sapo na lagoa!

                        – Xenhenhém, xenhenhém!

                        – Olha o sapo na lagoa!

                        – Xenhenhém, xenhenhém!

                        – Subi na bananeira pra pegar um urubu!

                        – Caiu de lá de cima e rasgou as pregas do bolso!

                        – Hoje tem espetáculo?

                        – Tem, sim senhor!

                        – Às oito horas da noite?

                        – Tem, sim senhor!

                        – No circo do Mister Kapa?

                        – Tem, sim senhor!

                        – Hoje tem marmelada?

                        – Tem, sim senhor!

                        – Hoje tem goiabada?

                        – Tem, sim senhor!

                        – O palhaço o que é?

                        – É ladrão de mulher!

                        – O palhaço o que é?

                        – É ladrão de mulher!

                        – Arrocha, negrada!

                        – Eeeeeeeeeei!

                        – Arrocha, negrada!

                        – Eeeeeeeeeei!

 

                        Em dezembro, o circo levantou os panos e arribou para outras plagas, encerrando minha carreira artística. Aí, eu já readquirira o otimismo e a esperança, com a aprovação no concurso para a EsSA.

 

                        Hoje, passado tanto tempo, procuro deixar na memória de meus amigos esse pregão encantador. Sempre que me é dada a oportunidade, em festinhas infantis de aniversário, faço empenho em repeti-lo, minhas filhas Elba, 10 anos e Mara, 8 anos, caprichando nas respostas. E, com enorme contentamento, posso dizer que essa malhação não foi em ferro frio. O grande escritor, jornalista e apresentador de televisão Maurício Melo Júnior acaba de perenizá-lo em seu livro O Palhaço que Perdeu o Riso, Edições Bagaço.

 

                        Com ajudas desse quilate – espero –, os palhaços sempre sorrirão, e o circo jamais morrerá.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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