O múltiplo personagem Valdemar de Oliveira
Conviver com os notáveis do Recife foi privilégio que pude usufruir graças às amizades de meu pai. E estes registros o faço como u’a maneira de rever cenas de minha juventude, na qual eles tiveram muita influência.
Doutor Valdemar de Oliveira foi uma das mais significativas personalidades com quem convivi no palco e fora dele, época em que consolidei os principais caracteres de minha passagem pela adolescência, pois o conheci aos 15 anos de idade.
Os Rosa Borges, uma das boas amizades de papai, a partir de Dr. Roberto Sarmento da Rosa Borges e seu irmão, Otávio (Baby) e a irmã, Esmeraldina (a famosa atriz D. Diná, esposa de Dr. Valdemar de Oliveira), pais de Fernando e Reinaldo, ambos ligados à cena pernambucana.
Escolhido entre atores da peça “Sangue Velho”, de Aristóteles Soares, exibida pelo grupo de artistas do Atlético Clube de Amadores, em 1951, fui requisitado para compor a equipe do Teatro de Amadores de Pernambuco, que se exibiria no Teatro Santa Isabel. Meu primeiro alumbramento!
Aos ensaios iniciais papai me levava ao teatro e Dr. Valdemar me deixava em casa. Ele era o Diretor do TAP.
Prometera a mamãe cuidar de mim, quando fora de casa. Lembro-me bem de seu luxuoso carro, um Ford Custom mod. 1951, no qual me conduzia, tempo em que comecei a sentir que eu estava começando a ficar importante. Um homenzinho.
Na peça, tantas vezes encenada no Recife, ele desempenhava o papel do personagem “Tio Velho”, que era meu avô.
Pouco tempo depois prepara-se o Teatro de Amadores de Pernambuco para uma excursão ao Rio de Janeiro e minha peça foi escalada. Estivemos então sob a direção de Zemlinsky, a fim de ganhar mais robustez para as apresentações à crítica carioca.
Recordo que num avião DC-3, da Aerovias Brasil, com toda a turma do teatro, voei pela primeira vez, tendo Dr. Valdemar como protetor. Meus pais, apreensivos no Aeroporto do Ibura, me acenavam. Enquanto eu, só sorrisos, ansioso para chegar às nuvens e pisar na “Cidade Maravilhosa”.
Já chegando ao estado do Rio de Janeiro ele ficou ao meu lado e foi, em estilo professoral, respondendo às perguntas sobre uns quadros verdes que eu vira lá embaixo: eram as terras cultivadas e bem divididas do município de Campos do Goytacazes.
Fomos, brilhamos no palco do teatro Regina, durante mais de duas semanas, e voltamos gloriosos com os comentários da crítica especializada. Publiquei uma crônica e titulei: “Muito obrigado, Tio Velho!”.
Nunca perdi contato com Dr. Valdemar, D. Diná e seus filhos.
O Valdemar de Oliveira que conheci, tão afetuoso e de notabilidade ímpar, jamais esquecerei. E sinto-me no dever de homenageá-lo com esta breve crônica e as notas biográficas colhidas de várias fontes, para que sua personalidade jamais fique apenas em minhas lembranças juvenis.
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Nasceu no Recife aos 2 de maio de 1900 e faleceu em 18 de abril de 1977. Médico, advogado, professor universitário, jornalista, escritor, teatrólogo, ator e compositor.
Livros publicados: A musicotherapia: [Salvador]: Imprensa Oficial, 1924. Frevo, capoeira e “passo”. Recife: Cia .Editora de Pernambuco, 1927. Higiene. Recife: Livraria Universal, 1939. Uma página da bravura pernambucana. Recife: PM-PE,, 1954. O teatro brasileiro. Bahia: Universidade da Bahia, 1958. Impressões de viagem: (Estados Unidos da América do Norte). Recife: Coleção Concordia, 1959. Mário Melo. Recife: Imprensa Oficial de Pernambuco, 1959. Caxias. Jaboatão: Comando Militar de Socorro, 1961. Mundo submerso – memória. Recife: Imprensa Oficial, 1966. Eça, Machado, Castro Alves, Nabuco e o teatro. Recife: Imprensa. Universitária, 1967. Olinda e sua data impartilhável. Prefeitura Municipal de Olinda, 1970. 208 crônicas da cidade. Recife: Gráfica Editora do Recife, 1971. Valdemar setentão. Recife: Gráfica Editora do Recife, 1971. Pernambuco e a independência. Recife: Governo do Estado de Pernambuco, 1973. Quando eu era professor Recife: Universidade Católica de Pernambuco, 1973. Um rotariano fala do Rotary. Recife: Rotary Club, 1974. Oswaldo Cruz, paixão e glória. Recife: Academia Pernambucana de Letras, 1974. O capoeira: Um teatro do passado. Brasília, DF: MEC/FUNARTE, 1977.
Peças de teatro: Tem de casar, casa! Os três maridos dela Eva na política. Um rapaz de posição. Tão fácil, a felicidade… Honra ao mérito. Aonde vais, coração?: Comedia. Ed. do Grupo Gente Nossa. Recife: 1934. Uma mulher inteligente. O menino do cofre. Mocambo: comedia social em 3 atos. Recife: Imprensa Oficial, 1940. Zé Mariano. Soldados da retaguarda: comédia social. Recife: 1945. Coautor da pela “Sangue Velho”, com Aristóteles Soares. Recife, 1952.
Músicas: Compositor de diversas músicas carnavalescas, partituras de operetas – inclusive a mais famosa: “Bob e Bobete” e o hino do município da Ilha de Itamaracá.
Honrarias: Ocupante da cadeira 25 da Academia Pernambucana de Letras, exerceu a presidência da Academia entre 1950 e 1961 Foi um dos fundadores da Regional pernambucana da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, tendo sido seu primeiro presidente, entre 1972 e 1973.
Em sua memória a Sobrames publicou: “Valdemar Vivo”, coletânea de vários artigos de seus colegas médicos-escritores.
O antigo Nosso Teatro é atualmente Teatro Valdemar de Oliveira. Merece ainda, o personagem, uma estátua em local de destaque na cidade do Recife, por tantas crônicas que em sua coluna “A propósito…” que no Jornal do Commercio ele publicou em favor da capital de Pernambuco e sua gente.
Teatro Valdemar de Oliveira: Rua Osvaldo Cruz, 412, Boa Vista, Recife