(Pra Rael de Simão e Valmir de Vamberto, gente da Prata)
Chegou lá pela Prata na Paraíba, há uns cinco anos atrás trazido e vindo só Deus sabe de onde e por quem.
Era um negro roliço de mocotó grosso, bucho empinado e um indicativo de gente andada:
Um chapéu preto com aba pequena e uma peninha de pavão do lado esquerdo.
Numa velha Belina marrom, ano setenta e pouco com um alto falante de difusora no teto e um microfone enrolado num farrapo de flanela vermelha onde gritava os vilagres do produto que vendia.
Em latas vazias de vick vaporube, espoleta picapau e até de graxa de sapato usadas que comprava por aí afora, colocava porções de uma pomada milagrosa, que dizia ser ser um peixe da Amazônia chamado piraquê o famoso peixe elétrico.
Pomada milagrosa que curava de mal do monte, passando por reumatismo e até espinhela caída.
Mas na verdade era sebo de gado que adquiria nos açougues da região, derretia e botava dentro das latas.
O nego era jeitoso pra enganar os matutos.
Espalhava as latas em cima de um pano florado no capuz da velha Belina, misturadas com fogos de artifíco que também comercializava e com a difusora e muita saliva ia “lascando’ os pobres matutos doentes ou não.
Mas o negão tinha outros planos pra ampliação do negócio.
Foi quando ele encontrou lá no mercado da Prata, um galego magro e sarará feio de quebrar resguardo de raposa, chamado Galêgo de Inaça Calú, tava ali o homem certo.
Depois de alguns “pingos de solda” os dois acertaram uma nova empreitada que essa sim ia render uma boa grana pros dois.
Aí o negão mandou embora um aleijado e um anão que lhe faziam companhia e começou a investir no galego pra sua nova empreitada.
Mas não podia ser lá na cidade do galego, porque poderia despertar alguma desconfiança.
Foram estrear a novidade na vizinha Sumé, na feira de lá.
O negócio foi o seguinte, o negão comprou um pedaço ainda sangrando de fígado de boi, e botou num lado do queixo do galego depois enrolou com uma tira de pano branco fino cobrindo toda a cara do desgraçado, só deixando os olhos, os buracos da venta e a boca de fora.
Até as orelhas ficaravam cobertas.
Tinha que ficar também aparecendo um pedaço de figado preto pra impressionar os circunstantes simulando uma doença muito feia na cara daquele coitado vivente.
Quando o sangue do fígado começava a coagular, o negão tacava uma colher de óleo de salada pra poder escorrer e empapar o pano.
Aí o galego entrava na Belina ficava sentado todo tronxo, com as duas mãos apoiadas nos joelhos, no que restava do banco traseiro já ocupado com o butijão de gás que servia de combustível pro carro e o negão, com no microfone fazia o resto.
– “Venha” ver meus amigos o sofrimento desse rapaz e ajudem em nome de Deus.
Nos intervalos ainda achava pouco e botava no ar a música “Noite traiçoeira” com o padre Marcelo Rossi.
Aí chovia dinheiro dentro da Belina.
Os matutos que morrem de medo de doença feia, perguntavam :
– É “cance”?
O negão tampava com a mão o microfone e respondia baixinho:
– É.
Algumas mulheres chegavam mais perto:
– E isso pega moço ?
– Diz o povo que sim .
– Vige Maria, vem olhar fulana!
Outras não tinham coragem de se aproximar e jogavam o dinheiro de longe.
E o caixa dos dois engordando de feira em feira, de cidade em cidade.
Até que um dia o galego contestou a partilha das ofertas e partiram pra briga com ameaça de contar tudo pra polícia.
Aí anoiteceu e não amanheceu.
O mundo abriu e fechou com o Negão da Pomada.
Até hoje.