Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Coluna do DIB segunda, 06 de abril de 2020

O NÃO-CONSERVADOR

 

O NÃO-CONSERVADOR

A. C. Dib

 

                   Em muitas de minhas publicações no Facebook criticando o Presidente Bolsonaro, um amigo costumava contestar ou refutar o conteúdo da publicação contrapondo-lhe mazelas atribuídas ao Lula e à Dilma. Assim, se eu falasse em equívocos, ele apontava equívocos análogos de Lula e Dilma; se eu falasse em escândalos, ele citava escândalos piores dos governos Lula e Dilma; se eu falasse da barriga do Bolsonaro, ele apontava a barriga do Lula e a da Dilma.

 

                   ― Por que você não fala da barriga do Lula e a da dona Dilma?

 

                   Certa vez, não resisti e perguntei:

 

                   ― Mas, afinal, quem é Lula? Quem é Dilma?

 

                   Nada mais comum que associar à esquerda a oposição ao governo Bolsonaro. Inadmissível, inconcebível, impensável que um liberal na política, homem de centro ― conservador, mesmo, em questão de moral, tradição e costumes ― venha a firmar oposição a Bolsonaro, baluarte do conservadorismo. “Se opor a Bolsonaro, só mesmo sendo um extremista de esquerda”. E quanto mais duro o opositor, maior esquerdista seria. Escandaloso que um conservador não goste de Bolsonaro. Seria o mesmo que dar um tiro no próprio pé, ou algo como uma auto-oposição. Ledo engano associar o conservadorismo a extremismos, a ditaduras de direita, a autoritarismos.

 

                   O conservadorismo, grosso modo, tem como características gerais a defesa da tradição, das particularidades nacionais, regionais e locais, da autoridade, além de posicionar-se contra o coletivismo, o individualismo e o racionalismo político.

 

                   Edmund Burke, tido como o primeiro teórico político do pensamento estritamente conservador, em 1790, quando a Revolução Francesa ainda prometia uma utopia sem sangue, previu, em sua Reflections on the Revolution in France, que, com a rejeição radical e abrupta da tradição e de valores herdados, a revolução descambaria para o terror e para a ditadura. Dito e feito.

 

                   No Brasil Império, notável foi a influência do Partido Conservador no processo de abolição da escravidão. Sob a gestão do Conservador Eusébio de Queirós, Ministro da Justiça, a “Lei Eusébio de Queirós”, de 1850, proibiu o tráfico negreiro para o Brasil. Também ao Partido Conservador devemos a “Lei do Ventre Livre”, ou “Lei Rio Branco”. O conservador Primeiro-Ministro João Maurício Wanderley, o Barão de Cotegipe, conseguiu a aprovação da chamada “Lei dos Sexagenários”. Finalmente, na gestão do Gabinete Conservador de João Alfredo Correia de Oliveira foi promulgada a Lei Áurea. O apoio à abolição da escravatura custou a Pedro II sua coroa, eis que os grandes latifundiários escravagistas, em represália, apoiaram o golpe de Estado que proclamou a República brasileira.

 

                   Por essa época, o Presidente americano Abraham Lincoln ― umas das referências históricas de democracia e liberdade ― colocava abaixo, a duras penas, a escravidão naquela República. Vale lembrar que Lincoln pertencia ao Partido Republicano, associado ao conservadorismo na política norte-americana.

 

                   Voltando ao Brasil, temos memoráveis exemplos de conservadores que se consagraram como grandes e destemidos combatentes da democracia, de seus valores e ideais. O constitucionalista e político gaúcho Paulo Brossard, com seu chapéu panamá, sua gravata borboleta, bengala e relógio de algibeira, antes mesmo de discursar, já revelava fisicamente seu conservadorismo. No Rio Grande do Sul, Brossard foi tenaz adversário político dos esquerdistas João Goulart ― o Jango ― e do cunhado deste, Leonel Brizola. No Congresso Nacional, instituído o regime ditatorial de 1964, filiou-se ao MDB, partido de oposição, destacando-se por sua combatividade na defesa da democracia. Foi o único deputado federal a se pronunciar da tribuna da Câmara contra a eleição indireta para a presidência da República, no final de outubro de 1969, do General Médici. Em uma das mais belas páginas da história política brasileira, discursou analisando o sentido da palavra “eleger”: “…Eleger, de eligere, quer dizer escolher, separar, estremar, nomear, preferir, selecionar, designar. E no caso não se trata de eleger, porque a eleição já foi feita”.

 

                   Outro notório conservador, o político mineiro Tancredo Neves, foi outra referência brasileira na defesa dos mais singelos e caros ideais democráticos. Como principais características da longeva atuação política de Tancredo Neves, temos: a defesa heroica e intransigente da democracia; a grande habilidade e talento como articulador político e conciliador de opostos; a extrema lealdade a todos os Presidentes da República com quem atuou. No campo da lealdade e da coerência política, Tancredo foi Ministro da Justiça de Getúlio Vargas ― não no Estado Novo, mas no governo democrático de Vargas ―, tendo Vargas morrido em seus braços. Apoiou o governo do Presidente Juscelino Kubitschek, conservando apoio e amizade após a cassação, o exílio e a prisão do criador de Brasília. E, por fim, com a renúncia de Jânio Quadros, articulou a implantação do parlamentarismo, para evitar a ruptura institucional prenunciada frente à iminente posse de Jango na Presidência, sendo nomeado Primeiro Ministro por Jango. Posteriormente, reintroduzido o sistema presidencialista, foi líder do governo Jango na Câmara dos Deputados, sendo dos poucos que foram ao Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, para se despedir do ex-presidente quando este partiu para o exílio no Uruguai. Antes disso, porém, quando o Presidente da Câmara, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da República, Tancredo, lembrando que o Presidente Goulart ainda se achava em território nacional, dirigindo-se a Moura Andrade, berrou a plenos pulmões: “Canalha! Canalha!”. Foi o único congressista, membro do PSD, a não votar, em 11 de abril de 1964, no Marechal Castelo Branco, na primeira eleição indireta de Presidente da República produzida no regime militar.

 

                   O advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto, conservador apaixonado e fervoroso militante católico, ao longo de toda sua vida pública e profissional, sempre conciliou seus ideais conservadores com princípios constitucionais clássicos de direitos humanos e direitos e garantias individuais dos cidadãos. Na defesa aguerrida de presos e perseguidos políticos nos regimes de exceção instaurados no Brasil ― Estado Novo e regime militar de 1964 ― ele, conservador que era, converteu-se em herói das esquerdas. Advogado de Luís Carlos Prestes na ditadura de Vargas, em particular travou acalorados debates com seu cliente, tentando convertê-lo ao cristianismo, enquanto o Cavaleiro da Esperança forcejava em doutriná-lo ao comunismo.

 

                   Paulo Brossard, Tancredo Neves e Sobral Pinto foram conservadores que nunca se deixaram seduzir, iludir ou deslumbrar pelas promessas de ditadores direitistas e de regimes autoritários de direita. Conciliaram sempre o ideal conservador com os valores democráticos de liberdade, igualdade, eleições livres e diretas, respeito às minorias, direitos humanos e garantias individuais.

 

                   Assim, associar o conservadorismo a regimes fortes de direita, ao autoritarismo de extrema direita e a ditaduras direitistas é manifesto equívoco praticado por quem desconhece a história e desconhece a doutrina e a prática política.

 

                   Claro que o conservadorismo respeita a hierarquia social. Não obstante, na década de oitenta do século pretérito, Ronald Reagan e Margaret Thatcher atrelaram fortemente o conservadorismo ao liberalismo econômico. Perdura, nos dias presentes, tal modelo conservador umbilicalmente vinculado ao livre mercado. A mobilidade social se vê, portanto, prestigiada no conservadorismo, embasada no trabalho duro, na criatividade e no talento pessoal do empreendedor.

 

                   Não comungo do pensamento de petistas que classificam Bolsonaro como fascista. Creio que não chega a tanto.

 

                   Fascismo é uma ideologia política de cunho totalitário que tem como características principais um nacionalismo extremado; desprezo absoluto pela democracia representativa e pela liberdade política e econômica; um líder forte e militarista; emprego da violência contra opositores, além de empregá-la, juntamente com a guerra e com o imperialismo, como meios legítimos de autoafirmação nacional; economia mista, com adoção de políticas econômicas protecionistas e intervencionistas, como meio de conquista de autossuficiência econômica do país; e forte arregimentação da sociedade, com subordinação de interesses individuais aos interesses da nação.

 

                   Conforme disse, não acredito que Bolsonaro seja um fascista. Mas se fascista não é, também não é um político claramente identificado com os valores democráticos. Igualmente, Bolsonaro não é um conservador autêntico, parecendo-se mais um radical com palpáveis tendências autoritárias. Seu passado e seu presente depõem contra ele. Causa espécie sua peremptória intolerância a oposicionistas e a matérias jornalísticas que lhe sejam desfavoráveis. Bolsonaro toma as críticas como questões pessoais e reage mal atacando seus críticos. Também sua característica agressividade, sua truculência e seu talento para polêmicas não se coadunam com o conservadorismo. Uma das principais características do conservador é a prudência. Conservador raiz não se envolve em debates estéreis, não se comporta de modo temerário, não se mete em aventuras. Ainda que tenha jurado lealdade ao regime democrático e à Carta de 1988 antes de sua posse, Bolsonaro não inspira confiança. Seus fanáticos apoiadores falam em golpe de estado, nas redes sociais, como uma panaceia redentora do Brasil. Pregam o golpe e defendem ditaduras como quem sugere um bom filme. De igual forma, preocupa e choca declarações de Eduardo Bolsonaro ― reveladoras de extremo desamor e desprezo pela democracia ― sugerindo golpe de estado, seja pelo fechamento do Supremo Tribunal Federal, seja pela possível reimplantação do Ato Institucional número 5. Seguramente, a vocação ― e formação ― autoritária do jovem deputado tem por espelho um paradigma, um ídolo inspirador, um mito.

 

                   Portanto, que os confrades liberais e os amigos conservadores firmem oposição a Bolsonaro, não deixando à esquerda o protagonismo e a primazia de tal atuação. Oposição responsável, séria, construtiva, apoiando os acertos e criticando com firmeza os desacertos, na defesa vigilante, altiva e ingente dos sagrados princípios da democracia.


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