O MUNDO APARECE DEMASIADO EXPLICADO
Fabrício Carpinejar
O mundo aparece demasiado explicado.
Teu jeito calado indica esperança,
mas quem diz que não é remorso?
Sou fiel aos hábitos; tu, aos mistérios.
Não coincidimos nossa lealdade.
Suporto, sobrevives.
O que adianta transbordar
se não dás conta do mínimo?
O que adianta me retrair
se não percebo o invisível?
* * *
Não ter sido compreendido
condenou-me a assumir verdades
que desconhecia, filhos que
não eram de minha boca,
compromissos que não quis ir.
Ao longo da fala,
abri correspondências alheias.
A ausência de clareza
me perturbou a viver de favor
em meu corpo.
* * *
Não me inquieto
quando não recebo as respostas
das perguntas que não fiz.
Eu me conformei
em reservar alguma coisa
de ti para saber depois.
Um pouco de nosso amor
será póstumo.
É recomendável
não descobrir todos os segredos.
* * *
Para a morte, sofre de um problema.
Não estou todo em um único lugar.
* * *
Os dias no verão
são cadeiras
para fora da casa.
Armar o ar,
desempalhar
a luz e deslizar
na esponja noturna da grama.
Ponha esse sol de janeiro
em minha conta.
* * *
Alguém dentro de mim
mente para me proteger.
Não sei quem tem razão
sobre meus desastres.
Se permaneci em excesso
e não varei a outra margem.
Se me deixei fora por muito tempo
e esqueci o endereço.
Quando estamos próximos de dizer
é que não estamos mais aqui.
* * *
Não conto meus pesadelos ao acordar.
Não termino mais uma frase inteira.
O começo de uma conversa é difícil
Depois mais difícil se toma
quando ela aconteceu
sem começar.