Totalmente em jejum, sai de casa, batendo o queixo de frio, mesmo tendo enrolado ao pescoço um lenço, que sua mãe sempre lhe põe, para proteger-lhe a garganta. Sabe que tem de andar ligeiro, para encontrar espaço, onde cumprirá sua tarefa diária. Como companhia, leva um cajado e quatro sacos plásticos, dos grandes.
O lenço amarrado ao pescoço também servirá para cobrir seu nariz e sua boca, e atenuar o mau cheiro vindo da podridão contida no monturo. Lá dentro, há gases, micróbios, bactérias e outros tipos de coisas putrefatas, que agridem o organismo humano.
Esse lenço que sua mãe amarra ao seu pescoço pertencia ao seu pai. Desde que ele morreu, o menino usa, sentindo-se o homem da casa. A mãe e suas duas irmãs pequenas não tem condições de enfrentar o monturo, na luta pela sobrevivência.
A mulher, entretanto, lhe recomenda que, ao chegar a esse local insalubre, proteja os olhos e o nariz, e não respire o ar putrefato que ele exala.
Depois de andar quase uma hora, Zezinho chega ao monturo e percebe que está atrasado. Quase não há espaço para ele. Não pode “fuçar” à vontade, para procurar alguma coisa aproveitável, seja alimento, roupa ou algo diferente.
Dezenas de meninos chegaram antes dele e já “fuçaram” o que tinha de melhor, como alimentos mais frescos e ainda aproveitáveis. Os melhores restos, que ainda poderiam ser comidos, já haviam sido resgatados. Mesmo assim, Zezinho cobre o rosto com o lenço, mete os pés no monturo e, com seu cajado, espanta os urubus.
É uma cena horripilante, cruel e degradante, comum entre os pobres do nosso país, onde a distância entre eles e os ricos aumenta cada vez mais.
Enquanto crianças famintas disputam, no monturo, restos de comida estragada para saciar a fome, nos palácios, a lagosta e o caviar, acompanhados de vinhos importados, de altas marcas, sobram do bico de outro tipo de urubus, numa cena revoltante, que agride a realidade brasileira.
São Urubus que riem da desgraça do povo, que pisoteiam nos caixões dos mortos pela COVID-19 e se divertem com isso, amordaçando pessoas de bem, e colocando na rua o bloco dos “Kanalhas”, com suas alegorias vermelhas.