Arthur Azevedo
No dia em que ele me apareceu, recomendado por uma senhora a quem me queixara da falta de um bom criado, fiz-lhe as perguntas usuais:
– Como se chama?
– João.
– É português?
– Não, senhor; sou da Ilha da Madeira.
– Ora esta! Se é da Madeira, é português!
– Não, senhor: sou ilhéu.
– Bom; quanto quer ganhar por mês?
– Contento-me com que o patrão me der, contanto que não seja menos de cinquenta mil-réis, casa e comida.
Fiquei com o João.
Nesse mesmo dia, encontrei-o a lavar as mãos com o meu sabonete fino, que eu reservava, naturalmente, para o meu uso exclusivo.
– Que é isso? Você serve-se do meu sabonete?
– Não, senhor, não me estou servindo dele; estou a lavá-lo, porque estava sujo de espuma.
A minha vontade foi mandá-lo embora, mas não o fiz.
Não o fiz e, dali a três dias, entrando em casa, encontrei em cacos, na cesta dos papéis inúteis, uma estatueta da Vênus de Milo, que era de gesso, pouco valia, mas eu estimava muito por ser uma reprodução muito fiel do famoso mármore do Louvre.
Fiquei furioso:
– Quem quebrou isto?
– Fui eu, sim senhor, mas não foi por querer, respondeu-me ele a rir-se.
– E você ainda em cima se ri!
– Ora, patrão! Já faltavam os dois braços à boneca!
Não o mandei embora.
Uma ocasião, os marinheiros de um dos nossos navios de guerra recolheram a bordo um pobre cão naufragado, exausto já de tanto lutar com as ondas. Como já houvesse cão a bordo, e ninguém o quisesse, veio o animal para a terra, trazido por um oficial de Marinha que mo ofereceu.
Era um cão ordinário, mas inteligentíssimo. Os seus primitivos donos tinham-lhe ensinado umas tantas habilidades; ele comprazia-se em mostrar-mas, e ficava muito satisfeito, agitando vertiginosamente a cauda e pondo a língua de fora, quando eu lhas aplaudia, acariciando-lhe o pelo. Era muito mais inteligente que o João.
Uma vez, achavam-se reunidos em minha casa alguns amigos, e encantavam-nos as habilidades do cão, que estava presente. O João ouvia calado, mas notava-se na sua fisionomia o desejo de intervir na conversa. Afinal interveio:
– O patrão esqueceu-se de contar aos senhores a maior habilidade deste cão!
– Qual é? Qual é? Perguntaram todos em coro.
– Este cão que aqui estão vendo, senhores, sabe nadar!
Ao jantar, como ele nos viesse dizer, muito compungido, que na venda não havia nem mais uma pedrinha de gelo, para remédio, um dos rapazes exclamou, gracejando:
- Oh, senhor! Pois nessa venda não há nem do tal gelo em latas, que hoje se encontra em toda a parte?
O João disfarçou, saiu, e pouco depois voltou com esta notícia:
– O dono da venda diz que tinha, mas acabou-se.
– O quê?
– Gelo em latas.
Imaginem que risota!
Eu recomendara terminantemente ao meu criado que me não deixasse dormir além das oito horas da manhã; ele, porém, não tinha tido jamais ocasião de cumprir essa ordem, porque às sete já eu estava de pé. Certa manhã, tendo-me deitado bastante tarde, acordei e, consultando o relógio, vi que eram já nove horas.
– Ó, João!
– Patrão?
– Pois não lhe tenho eu dito um milhão de vezes que não me deixe dormir além das oito horas?
O João sorriu – o mesmo sorriso de quando quebrou a Vênus de Milo –, coçou a cabeça e respondeu:
– Eu vim acordar o patrão, vim.
– E então?
– Mas não acordei o patrão porque o patrão estava a dormir!
Mas a melhor foi esta: Uma noite em que lhe mandei oferecer cerveja às visitas, ele apareceu na sala com uma bandeja em que havia seis copos cheios e dois vazios.
– Para que esses copos vazios, João?
– É para alguém que não queira.
Dessa vez, pu-lo no olho da rua!