O MERECIDO REPOUSO
Raimundo Floriano
Aquele 12 de dezembro de 1990, uma quarta-feira, tinha tudo para ser igualzinho aos demais dias úteis vividos nos últimos anos. Acordei às cinco horas da manhã, realizei a higiene pessoal, vesti o uniforme de ginástica, saí às seis para caminhar, voltei às sete, banhei-me, tomei café, assisti ao primeiro noticiário na TV, li o Correio Braziliense, vesti o terno e, às oito e meia, saí para mais uma jornada de trabalho na Câmara dos Deputados. Tudo na velha e imutável rotina. Pois bem!
Ao entrar na Casa, pela Portaria do Anexo II, era grande o rebu. Um grupo de velhos funcionários veio a meu encontro, e um deles, o Sebastião de Oliveira Brito, meu amigo desde os tempos do 25º Batalhão de Caçadores, falou:
– Raimundo Floriano, você vai ter que se aposentar hoje!
– O que é isso, rapaz, eu vou me aposentar em março, já tenho até a data marcada, dia 27!
– Você é que pensa!
Saí dali em direção a minha sala pensando: “A Rádio dos Corredores está insuperável. Até o Sebastião foi envolvido. Eita cambada de boateiros!”
Ao chegar na Sala da Chefia, encontrei o colega Ivannoeh. Sua palidez e a gravidade de seu semblante já me diziam que algo inusual estava ocorrendo. Falei-lhe sobre o boato, e ele me confirmou:
–É verdade, Raimundo. Acabo de dar entrada em meu pedido no Departamento de Pessoal!
E deu a necessária explicação. Na noite anterior, o presidente Fernando Collor vetara, dentre outros, o artigo 250 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 – Regime Jurídico Único. Tal veto retirava dos servidores vantagens construídas durante toda uma vida funcional. Por esse motivo, a Câmara deixara o protocolo do dia 11 em aberto, para todos aqueles que desejassem, aposentando-se, garantir seus direitos. A decisão deveria ser tomada até o final da tarde. Era a última chance.
Não tive outra opção. Computadas as licenças-prêmio não gozadas, eu já contava com mais de 37 anos de serviço. Naquele dia, eu e mais de cem outros colegas – não sei o número exato – solicitamos a passagem para a inatividade.
Se aquilo foi um tranco para nós, muito mais a Câmara se ressentiu. Sem esperar, estava perdendo um grupo seleto de funcionários, todos concursados, e não se via em condições de, em curto prazo, preencher as vagas. Assim, foi-nos liberando aos poucos.
A concessão de minha aposentadoria foi publicada no Boletim Administrativo nº 38, de 26.02.1991. Levei todo o dia 27 esvaziando as gavetas e passando a função para meu substituto. No dia 28, como ato final, apresentei minhas despedidas ao deputado Gastone Righi.
Por coincidência, éramos da mesma idade e entráramos na Câmara no mesmo ano – 1967. O deputado Gastone Righi foi um dos líderes que, juntamente com Jorge Cury e Ivette Vargas, consolidaram o novo PTB. Trabalhou como estivador, exerceu o jornalismo e mantém conceituado escritório de advocacia em São Paulo. Em sua atividade parlamentar, ressaltam-se duas marcantes conquistas: a devolução da autonomia político-administrativa à cidade de Santos – na época, os municípios com mais de 200.000 habitantes tinham os prefeitos nomeados, não os elegia – e a Lei das Baleias, que as protege contra a caça predatória.
Nosso contato era funcional, extremamente formal. Trabalhávamos em andares diferentes, e só nos víamos nas ocasiões em que eu lhe levava papéis para serem assinados. Portanto, nosso adeus não teve delongas. Foi tchau e bênção!
A partir daí, todos sabiam que eu estava aposentado, menos um: meu relógio biológico. Diariamente, eu acordava às cinco, cumpria o habitual roteiro matinal e depois ficava imaginando como preencheria as demais horas vagas. Assim estava eu, no dia 06.03.1991, uma quinta-feira, quando o interfone tocou. Era o Odon Ferreira Lima, funcionário da Liderança. Disse que tinha uma correspondência para mim. Pedi que subisse.
Todo acanhado diante do ex-chefe, o Odon não quis demorar. Entregou-me um envelope e se mandou.
O conteúdo daquele envelope me encheu de orgulho e contentamento. Que eu saiba, nenhum de meus colegas possui algo parecido. Minha vontade foi exibi-lo a todo o Congresso Nacional, a toda a Brasília, a todo o Brasil. O que, agora, com a permissão do leitor, tenho a ocasião de fazer.
Deputado Gastone Righi: líder consolidador
do novo PTB
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