O MELHOR REMÉDIO (CONTO DO CARIOCA MACHADO DE ASSIS)
O MELHOR REMÉDIO
Machado de Assis
O que se vai ler passa-se num bond. D. CLARA está sentada; vê D. AMÉLIA que procura um lugar; e oferece-lhe um ao pé de si.
- CLA. Suba aqui, Amélia. Como passa?
- AMÉ. Como hei de passar?
- CLA. Doente?
- AMÉ. (suspirando) Antes fosse doente!
- CLA. (com discrição) Que aconteceu?
- AMÉ. Coisas minhas! Você é bem feliz, Clara. Digo muita vez comigo que você é bem feliz. Realmente, eu não sei para que vim ao mundo.
- CLA. Feliz, eu? (Olhando melancolicamente para as borlas do leque) Feliz! feliz! feliz!
- AMÉ. Não tente a Deus, Clara. Pois você quer comparar-se a mim nesse particular? Sabe por que é que saí hoje?
- CLA. E eu por que é que saí?
- AMÉ. Saí, porque já não posso com esta vida: um dia morro de desespero. Olhe, digo-lhe tudo: saí até com idéias... Não, não digo. Mas imagine, imagine.
- CLA. Fúnebres?
- AMÉ. Fúnebres. Sou nervosa, e tenho momentos em que me sinto capaz de dar um tiro em mim ou atirar-me de um segundo andar. Imagine você que o senhor meu marido teve idéia... Olhe que isto é muito particular.
- CLA. Pelo amor de Deus!
- AMÉ. Teve idéia de ir este ano para Minas; até aqui vai bem. Eu gosto de Minas. Estivemos lá dois meses, logo depois que casamos. Comecei a arranjar tudo; disse a todas as pessoas que ia para Minas..
- CLA. Lembro-me que me disse.
- AMÉ. Disse. Mamãe achou esquisito, e pediu-me que não fosse, dizendo que, para ela visitar-nos de quando em quando, era-lhe mais fácil se estivéssemos em Petrópolis. E era verdade; mas ainda assim não falei logo ao Conrado. Só quando ela teimou muito é que eu contei ao Conrado o que mamãe me tinha dito. Ele não respondeu; ouviu, levantou os ombros, e saiu. Mamãe teimava; afinal declarou-me que ia ela mesma falar a meu marido; pedi-lhe que não, ela porém respondeu-me que não era uma bicha de sete cabeças. Petrópolis ou Minas, tudo era passar o verão fora, com a diferença que, para ela, Petrópolis ficava mais perto. E não era assim mesmo?
- CLA. Sem dúvida.
- AMÉ. Pois ouça. Mamãe falou-lhe; foi ele mesmo quem me disse, entrando em casa, no sábado, muito sombrio e aborrecido. Perguntei-lhe o que é que tinha; respondeu-me com mau modo; afinal disse-me que mamãe lhe fora pedir para não ir a Minas. “Foi você quem se agarrou com ela!” — “Eu, Conrado? Mamãe mesma é que me anda falando nisto, e eu até lhe disse que não lhe pedia nada.” Não houve explicação que valesse; ele declarou que não iríamos em caso nenhum a Petrópolis. “Para mim é o mesmo, disse eu; estou pronta até a não ir a parte nenhuma.” Sabe o que é que ele me respondeu?
- CLA. Que foi?
- AMÉ. “Isto queria você!” Veja só!
- CLA. Mas... não entendo.
- AMÉ. Eu disse a mamãe que não pedisse mais nada; não valia a pena, era perder tempo e zangar o Conrado. Mamãe concordou comigo; mas, daí a dois dias, tornou a falar na mudança; e afinal ontem o Conrado entrou em casa com os olhos cheios de raiva. Não me disse nada, por mais que lhe rogasse. Hoje de manhã, depois do almoço, declarou-me que mamãe tinha ido procurá-lo ao escritório e lhe pediria pela terceira vez para não ir a Minas, mas, a Petrópolis; que ele afinal consentira em dividir o tempo, um mês em Minas e outro em Petrópolis. E depois pegou-me no pulso, e disse-me que tomasse cuidado; que ele bem sabia por que é que eu queria ir para Petrópolis, que era para andar de olhadelas com... Nem lhe quero dizer o nome, um sujeito de quem não faço caso... Diga-me se não é para ficar maluca.
- CLA. Não acho.
- AMÉ. Não acha?
- CLA. Não: é um episódio sem valor. Maluca havia de ficar se se desse o que se deu hoje comigo.
- AMÉ. Que foi?
- CLA. Vai ver. Conhece o Albernaz?
- AMÉ. O do olho de vidro?
- CLA. Justamente. Damo-nos com a família dele, a mulher, que é uma boa senhora, e as filhas que são muito galantes...
- AMÉ. Muito galantes.
- CLA. Há mês e meio fez anos uma delas, e nós fomos lá jantar. Comprei um presente no Farani, um broche muito bonito; e na mesma ocasião comprei outro para mim. Mandei fazer um vestido, e fiz umas compras mais. Isto foi há mês e meio. Oito dias depois deu-se a reunião do Baltasar. Já tinha o vestido encomendado, e não precisava mais nada; mas, passando pela Rua do Ouvidor, vi outro broche muito bonito e tive vontade de comprá-lo. Não comprei, e fui andando. No dia seguinte torno a passar, vejo o broche, fui andando, mas na volta... Realmente, era muito bonito; e com o meu vestido ia muito bem. Comprei-o. O Lucas viu-me com ele, no dia da reunião, mas você sabe como ele é, não repara em nada; pensou que era antigo. Não reparou mesmo no primeiro, o do jantar do Albernaz. Vai então hoje de manhã, estando para sair, recebeu a conta. Você não imagina o que houve; ficou como uma cobra.
- AMÉ. Por causa dos dois broches?
- CLA. Por causa dos dois broches, dos vestidos que faço, das rendas que compro, que sou uma gastadeira, que só gosto de andar na rua, fazendo contas, o diabo. Você não imagina o que ouvi. Chorei, chorei, como nunca chorei em minha vida. Se tivesse ânimo, matava-me hoje mesmo. Pois então... E concordo, concordo que não era preciso outro broche mas isto faz-se, Amélia?
- AMÉ. Realmente...
- CLA. Eu até sou econômica. Você, que se dá comigo há tantos anos, sabe se não vivo com economia. Um barulho por causa de nada, uns miseráveis broches...
- AMÉ. Há de ser sempre assim. (Chegando à Rua do Ouvidor.) Você desce ou sobe?
- CLA. Eu subo, vou àGlace Elegante; depois desço. Vou ver uma gravura muito bonita, inglesa...
- AMÉ. Já vi; muito bonita. Vamos juntas.
- CLA. Há hoje muita gente na Rua do Ouvidor.
- AMÉ. Olha a Costinha... Ela não fala com você?
- CLA. Estamos assim um pouco...
- AMÉ. E... e depois...
- CLA. Sim... mas... luvas brancas.
- AMÉ. ..................?
- CLA. ...................!
AMBAS (sorrindo) Uma coisa muito engraçada; vou contar-lhe...