Lua vista da rede na latada
“Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Oh que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão”
O trabalho do dia foi cansativo. Sol forte, muita coisa para fazer e uma boa caminhada da roça até a casa. Depois, mais uma boa caminhada para o banho no açude. A volta para casa sob o manto da escuridão.
É chegada a hora do descanso. O jantar ainda não ficou pronto. Mas vai ficar – e quando estiver pronto, a “véia” avisa chamando. A “véia” não é tão “véia” assim. Em abril completou 38 anos de idade, amizade e companheirismo e a boa condução no correto encaminhamento da prole – cinco filhos.
A rede está armada no alpendre. Taco o pé na parede, para ganhar impulso, e me delicio com o barulho feito pelo armador (escápula) no balançar da rede pra lá, e pra cá. É bom, é gostoso. É reconfortante, pairando dúvida se o bom é o balanço, o barulho ou o direito ao descanso. Creio que tudo junto.
Distante dali milhares de anos luz, a poesia visual da lua com a moldura imaginária do som “saxofoneado” do armador, faz esquecer o sol quente, o trabalho em quantidade, e nos leva ao gozo do descanso.
“Lua, Lua cheia
Que nasce nos meio das águas
Que brilha na Ponta d’Areia
Que finge morrer e desmaia
Nos braços de uma sereia
Ó Lua”
Em meio a todo aquele momento romântico, a “véia” se aproxima e diz:
– O jantar tá pronto. Posso botar?
Naquele instante mudo o olhar da direção da lua, e vejo a “véia” com seus 38 anos, da mesma forma como a vi pela primeira vez, quando tinha apenas 22. Respondi:
– Antes, sente por um momento aqui na beiradinha da rede. Veja como a lua está bonita!
Ela sentou e eu aproveitei para puxá-la inteira para dentro da rede. Como se fora uma mágica, ela deitou e colocou a cabeça sobre o meu peito, enquanto eu acariciava seus cabelos, e disse:
– É verdade! A lua tá muito bonita!
O olhar mágico e milagroso para o luar
Carícias mil. Todas que conhecíamos. Amor. Prazer do gozo. Parceria e afirmação do envolvimento de anos de convivência saudável e respeitosa. E a lua como testemunha.
– Bem, esqueci de “apagar o fogo”!
Como se conhecesse todos os versos de todas as poesias de J. G. de Araújo Jorge, ousei dizer:
– Calma! Vamos primeiro “apagar este fogo” aqui!
E nos envolvemos mais uma vez. Mais amor. Mais prazer e mais olhares para o milagre da lua.
Agora, balançamos os dois na rede, embalados sob o luar e o som “saxofoneado” do armador.