O fato se deu há alguns anos quando a humanidade era ingênua, quando não se ousava pensar em tenebrosas transações, ainda não despertara a revolução sexual e as mudanças de costumes. O mundo era dos coronéis de engenho.
Naquela época morava em Atalaia, aprazível cidade do interior de Alagoas, uma jovem bonita de nome Mariá. Os homens quando a viam sentiam o desejo pulsar nas veias, na mente e na alma. Bela cafuza, exótica e exuberante, cabelos negros escorridos, rosto redondo, olhos pequenos, lábios carnudos e encarnados. Mariá era conhecida como Índia, filha de cortador de cana, pobre e analfabeta, os homens andavam atrás das saias daquela alegre morena. Porém ela mantinha-se virgem, um apelo e conselho do pai com quem vivia numa casa de taipa.
Certo dia o pai morreu, de cachaça, sua mãe havia fugido com um motorista de caminhão, arribou estrada afora, tornou-se prostituta estradeira, foi o maior desgosto do marido, ele entregou-se à bebida. Mariá ficou só no mundo. Aconselhada por amigas foi tentar sobreviver na capital. Arranjou trabalho de empregada doméstica numa casa. Nos primeiros dias foi desejada e assediada pelo patrão, pelos dois filhos e pelo avô. O bom velhinho quando olhou a Índia pensou que ainda era moço, vivia cantando a bela empregada. Aperreada a todo o momento, Mariá não aguentou a pressão, pediu as contas à patroa. Ao sair do emprego ficou perambulando pela Avenida da Paz, teve sorte, conheceu Cícero, um generoso homossexual que a levou para sua casa, pediu a mãe para lhe dar guarida até ela arranjar emprego. Na casa de Cícero não se podia pagar empregada. Mariá fez alguns trabalhos em troca da comida e dormida. Difícil uma analfabeta achar emprego. Certa vez uma vizinha aconselhou: -“Menina você é muito bonita, os homens lhe desejam, vá ganhar dinheiro no cabaré.” -“Eu sou virgem”, respondeu Mariá. -“Sua virgindade vale ouro, muito coronel pagaria um dinheirão para tirar-lhe o cabaço”, a vizinha insistia na conversa.
A conversa com a vizinha ficou atentando o juízo de Mariá. Numa bela noite ela procurou a vizinha, pediu para levá-la a algum cabaré, queria apenas conhecer. Ao chegar à Boate Tabariz, no bairro boêmio de Jaraguá, subiram a íngreme escada. Mariá empolgou-se com a beleza do salão. O dono do cabaré, conhecido como Mossoró, o rei da noite, examinou-a com um olhar de conhecedor. A amiga falou ao proxeneta: -“Pai Velho, olhe o presente que trouxe para você, uma bela Índia”. Aproximou-se, cochichou no ouvido do Negão: -“É virgem”.
Mossoró, conhecedor profundo das almas das mulheres da vida, interessou-se por Mariá, o fato de ser virgem, deixou-lhe empolgado. Havia quem desse uma fortuna pelo cabaço daquela jovem. Mandou-a esperar, Mariá estava deslumbrada com a música do conjunto, a alegria da casa, os pares dançando no salão. Mossoró levou-a ao escritório, um quarto especial. Puxou do bolso uma nota de gorjeta para vizinha e despachou-a, ficou sozinho com a Índia, era todo sorriso, simpático. Ele passava confiança às suas quengas. Fez algumas perguntas à Mariá. De repente pediu-lhe para tirar a roupa. A moça desabotoou os laços nos ombros, o vestido de chita caiu no chão, desabrochou a beleza nua da jovem, o sangue esquentou as veias do Pai Velho, conteve-se. Se não fosse virgem ele seria o primeiro, contudo, aquele cabaço valia ouro. Disse para Mariá – “Você vai passar alguns dias apenas aparecendo no salão. Amanhã vai ao Comércio, com uma das meninas, comprar três vestidos na moda. Toda noite fique bem bonita se mostrando de mesa em mesa, não vá para o quarto com nenhum homem, diga que é virgem, eu vou arranjar alguém especial para lhe tirar a virgindade, depois você fica trabalhando para mim, aqui na boate.”
Toda noite Mossoró anunciava o leilão da Índia, dia 22 de março, com Show de Reinaldo, uma trupe divertida de travestis, e inauguração da luz negra no salão. Na noite marcada, a Boate estava cheia; políticos, coronéis, usineiros, reservaram mesa. Foi uma das maiores festas na história do bairro boêmio de Jaraguá. O ganhador do leilão foi um rico fazendeiro, colecionador de cabaços, ele tinha um colar, cada conta do colar representava uma virgem. Pagou uma fortuna pela Índia. A festa tornou-se inesquecível. No bares, nos cabarés, nas biroscas do cais do porto de Jaraguá, por muitos anos os boêmios contaram a história do Leilão da Índia arrematada por um rico fazendeiro.