Eram três jacarés – mas todos preferiam o da casa de dona Nenê
Num passado não tão distante, chamávamos o local de “vila”. Vila isso ou vila aquilo. Nos atuais e pretensos tempos modernos, chamamos de “condomínio” – apenas por ter um portão e um vigia dorminhoco, que vive sentado, e nunca sabe de nada. Aliás, ele é pago para não ver nada.
Entenda-se “pago para não ver nada”, apenas, nada da vida particular dos moradores. Ele estende essa “recomendação” aos visitantes, proporcionando roubos mil e assaltos inúmeros. Mas, esse é outro assunto, que não vem ao caso, agora.
Antes, aquela “vila” nada mais era que um trecho da Rua da Paz, no bairro Misericórdia, município de Beberibe, hoje RMF (Região Metropolitana de Fortaleza).
Rua limpa, calçada com paralelepípedos, esgotamento sanitário deficiente que sempre recebia promessas de melhoria por partes dos candidatos a Prefeito.
Nunca cumpriram as promessas, mas isso não era tão importante para os cerca de 40 moradores daquele trecho bucólico que valorizava toda a rua.
Durante o raro período chuvoso, aquele trecho da Rua da Paz virava quase que uma praia de Copacabana, tamanha era a quantidade de “banhistas” que até sorteavam alguns minutos de banho debaixo dos jacarés. Faziam fila, cada um esperando sua vez.
As casas, construídas no estilo porta e janela, possuíam na parte frontal do telhado, a queda da água das chuvas através de uma canaleta que a maioria chamava de “jacaré”. Quando chovia, era comum muitos fazerem uso do jacaré para o banho gostoso e reconfortante.
Algumas mães até levavam sabão para banhar e “esfregar” os filhos, e uma toalha para secar, além, claro, de uma roupa limpa para a troca. Essas coisas viraram atração, ao mesmo tempo que respeito na Rua da Paz. A rua dos jacarés.
Cenas comuns de uma comunidade simples, onde todos se conheciam pelo nome, e muitos conviviam desde a infância. Ali, todos se respeitavam. Mas, alguns olheiros aproveitavam para “limpar as vistas” embaçadas pelo dia a dia doméstico.
Poucos entendiam, ou se faziam de desentendidos, mas a casa de Dona Nenê tinha o jacaré mais visto e desejado – e não era por conta do maior volume d´água que descia dele.
Era pela frequência dos banhistas. Dos banhistas, vírgula. Das banhistas.
Luíza – uma das filhas de dona Nenê
Dona Nenê enviuvara há pouco mais de cinco anos. Seu Horácio, homem honesto e trabalhador, sofreu um infarto fulminante aos quarenta e poucos anos. Na flor da juventude, como costumamos dizer. Deixou viúva Dona Nenê, com quarenta e poucos anos também.
O casal teve duas filhas. Luíza e Clarice que, quando Seu Horácio mudou de plano, já tinham 18 e 16 anos respectivamente. Ambas estudantes, criadas sob a rigidez paterna da época. Viviam para os estudos e para a construção do futuro, quando os pais faltassem.
Desde crianças, Luíza e Clarice usavam também o jacaré para banhar na época das chuvas. Eram conhecidas e amigas dos meninos. Cresceram, viraram adolescentes e mantiveram as amizades e o respeito mútuo.
Clarice – a filha adolescente de dona Nenê
Clarice, a mais jovem – uma menina se formando moça, deixando antever que em breve se transformaria numa mulher linda – ainda tinha alguns trejeitos infantis. Sem maldades, amiga dos meninos, banhava no jacaré usando apenas a calcinha minúscula e um vestido que, ao ficar molhado, se transformava em “transparente” enlevando a bela nudez da jovem. Um verdadeiro pecado.
Clarice e Luíza viraram as atrações do jacaré da Rua da Paz, mas em tempos diferentes, os homens mais maduros preferiam “apreciar a chuva” postados nas janelas.
Ingênuos sem pares!
Dona Nenê, a mãe das meninas, ficava entre um pé e outro para ir também ao jacaré na frente da casa – mas, sem roupa, escolhia mesmo era o banho no quintal da casa. Com certeza, ainda em luto pela morte do marido, precisava manter o respeito em orientação às duas filhas.