Em “O tempo não para”, Solange Couto vive Coronela , a dona de uma pensão. É aquela típica personagem popular. Usa um vocabulário cheio de gírias e forma uma dupla com Januza (Bia Montez), que a ajuda a cuidar do restaurante e com quem passa grande parte das cenas falando da vida alheia. É uma coadjuvante com uma tarefa que parece compulsória nas novelas: representar o “núcleo cômico”. Quando Coronela aparece, o volume de decibéis sobe e algum desentendimento explode. É uma dinâmica esquemática e previsível já vista em quase todas as tramadas das 19h. Sem entrar no mérito do talento da atriz, trata-se de uma repetição que se estende até à sua escalação para o papel. Parece que estamos reencontrando a Dona Jura de “O clone” (de 2001), dona da lanchonete que imortalizou o bordão “não é brinquedo, não”. Solange tem momentos melhores com a filha, WalesKa (Carol Castro), em cenas dramáticas. É quando Coronela ganha uma função na história que vai além de um histrionismo que nem sempre resulta em graça.
Personagens secundários podem se destacar. Mas isso só ocorre quando não estão presos a algum estereótipo inescapável. Um exemplo disso está acontecendo em “Espelho da vida”. É o caso da parceria de Ana Lúcia Torre (Gentil) e Felipe Camargo (Américo). Ela também é a dona de uma pensão e ele, seu hóspede, um pilantra. Gentil sofre de um tipo de incontinência verbal bem característico: ela “diz verdades na cara”. É uma daquelas figuras que, pretextando franqueza, faz afirmações que magoam os outros. Américo finge ser um homem bom e ocupa um quarto no estabelecimento dela. Não paga as contas, mas usa de sedução: se oferece para lavar a louça, elogia a comida etc. Ela disfarça, mas está apaixonada. Ele se vale desse sentimento para esticar a estadia de graça. É um núcleo lateral, mas que chama a atenção com a qualidade do trabalho dos atores. É tudo sutil e delicado, até o batom vermelho que Gentil passou a usar desde que se encantou com o golpista.
Os núcleos menores fazem parte das novelas, que são longas e não podem ser puxadas apenas pelos personagens principais. Porém, eles precisam se justificar e ter presença na história. É o que acontece no enredo de Elizabeth Jhin. Mas, no caso de “O tempo não para”, que já tem comédia da melhor qualidade, as sequências da pensão estão deslocadas. As tramas modernas são diferentes daquelas que a TV já ofereceu. Suas cenas são mais breves, é tudo mais enxuto. Então essa ideia do núcleo cômico obrigatório caiu no anacronismo. Talvez seja uma boa hora para reconsiderar isso.