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Na Inglaterra do século XVI, Henrique VIII (Robert Shaw) planejava se separar de sua primeira esposa para se casar com a fogosa (e bota fogosa nisso!!) Rainha Ana Bolena (Vanessa Redgrave), mas não recebe a aprovação de Thomas Morus (Paul Scofield), numa atuação soberba, impagável, um fervoroso católico que se tornou “Lord Chanceler”, um altíssimo posto que ele preferiu renunciar do que trair suas convicções. Entretanto, a importância de Sir. Thomas Morus era tão grande à época que mesmo após sua renúncia o rei continuou o perseguindo. Até que surgem “provas” que o incriminam como alta traição, um “crime” punido com a morte, sendo decapitado na Torre de Londres no dia 6 de julho de 1535, “antes das nove horas.”
(A MAN FOR ALL SEASONS (1966), ou O Homem Que Não Vendeu Sua Alma, é o primeiro de dois filmes em que o diretor Fred Zinnemann e a atriz Vanessa Redgrave trabalharam juntos. O posterior foi Julia de (1977). O ator Paul Scofield recebeu o Oscar de melhor ator pela atuação primorosa, mas não compareceu à cerimônia de entrega por ser avesso a comemorações. Com isso, sua estatueta de melhor ator foi recebida por Wendy Hiller, sua companheira de elenco. O orçamento do filme foi de US$ 3,9 milhões. Teve a sua refilmagem em (1988) com o mesmo título pelo ator e diretor Charlton Heston, que já havia trabalhado como ator principal em grandes clássicos do gênero, como Os Dez Mandamentos (1956), Bem-Hur (1959), O Planeta dos Macacos (1968), dentre outros. O homem que não vendeu sua alma ganhou nova versão e não decepcionou.
Como era de se esperar, um filme com esse objetivo e, ainda por cima, baseado diretamente em uma peça de teatro que seu próprio autor, Robert Bolt, transformou em roteiro cinematográfico, simplesmente não poderia primar pela ação no sentido mais esperado da palavra. Ela inexiste aqui e tudo, absolutamente tudo, recai no colo do incomparável trabalho dramático de Paul Scofield, no papel principal.
O ator, que começou sua vida artística no teatro, onde permaneceu focado praticamente a vida inteira, apesar de ter também aparecido em alguns filmes, viveu Thomas Morus na peça de Bolt tanto no West End de Londres, área da Região centro de Londres, Inglaterra, onde contém muitas atrações turísticas, quanto na Broadway, em Nova York. E foi a escolha do diretor Fred Zinnemann para viver o papel também nas telonas. No entanto, a produtora considerou que Paul Scofield não tinha nome para atrair audiência para o filme, com Richard Burton e Laurence Olivier sendo considerados para o papel. No entanto, o cineasta insistiu em sua escolha, brigou, ajudado por Bolt, especialmente depois que ele havia levado para casa o Tony de melhor ator justamente por seu trabalho na Broadway como Morus, em 1962.
Essa escolha foi extremamente acertada pelo diretor Fred Zinnemann. Paul Scofield interpretou Thomas Morus com um vigor impressionante, demonstrando com olhares, gestos e pequenos trejeitos corporais uma latitude dramática que vai da alegria em ver sua esposa no final de um dia estafante, passando pela surpresa e leve – mas elegante – desgosto em ver sua filha com um pretendente luterano e pelo encontro com seu amigo e rei nos jardins de sua moradia, até a veemente negativa em endossar o posicionamento do rei sobre o divórcio e novo casamento sem a benção do Papa.
O diretor Fred Zinnemann, por seu turno, não perde a oportunidade de manter sua câmera sempre parada e mirada no rosto de Paul Scofield em toda sua intensidade e profunda inteligência, construindo um personagem espetacular logo nos primeiros minutos da projeção, quando demonstra muito claramente sua integridade primeiro como advogado e, depois, como chanceler real.
O trabalho do ator Paul Scofield em O Homem Que Não Vendeu Sua Alma é um dos mais impressionantes trabalhos dramáticos da Sétima Arte, transformando um filme que é quase que completamente um teatro filmado e que, portanto, pode facilmente descambar para a monotonia, em uma obra realmente inesquecível, daqueles em que cada cena com a presença de Paul Scofield é um momento de se aplaudir. Sua presença é tão magnética e profunda, aliás, que todo o restante do elenco desaparece, até mesmo a espalhafatosa ponta de Robert Shaw como Henrique VIII e a assustadora aparição do imponente Orson Welles como o Cardeal Wolsey. Mesmo os atores que tem mais presença de tela, como John Hurt como Richard Rich e Leo McKern como Thomas Cromwell, por melhor que sejam os atores – e são mesmo excelentes – mínguam diante de Paul Scofield e a retitude moral e ética de Morus.
A equipe técnica que cuidou de O Homem que Não Vendeu sua Alma também não decepcionou. Figurinos corretamente suntuosos vestem o elenco que passeia por cenários em locação e alguns poucos construídos especialmente para o filme que se funde em um conjunto harmônico preciso que muito corretamente não tem nenhuma intenção de chamar atenção para si mesmo, deixando todo o espaço para que Paul Scofield e o restante do elenco brilharem como devem brilhar. A fotografia de Ted Moore, conhecido por seu trabalho na franquia 007, faz as cores ressaltarem da mesma maneira que ele as suga na medida em que o drama de Morus se torna cada vez mais sem saída, algo que a equipe de maquiagem e cabelo se esmera também em apontar.
Retratando um dos mais significativos momentos da história britânica sob o ponto de vista de um grande homem, o filme O Homem Que Não Vendeu Sua Alma é ao mesmo tempo uma aula de dramaturgia e cinema e de estadismo em sua forma mais pura. Todo político ou pretendente a político deveria no mínimo ser obrigado a absorver as lições que o Morus de Scofield passa aqui (já que pedir que estudem Thomas Morus talvez seja demais). O mundo político com certeza seria melhor mesmo se apenas um décimo da moralidade e honestidade do personagem fossem internalizadas.
“O Homem Que Não Vendeu Sua Alma” é uma grande lição de moral e ética que o diretor Fred Zinnemann nos deixou como legado.
Trailer O HOMEM QUE NAO VENDEU SUA ALMA, de Fred Zinnemann, COLUMBIA, 1966.