Carmen criava um gato preto retinto, a quem dera o nome de Koruga. Ela acostumou o gato a ser “luxento” . Era um gato tão bonito, que parecia um príncipe negro, um verdadeiro “ébano”.
O gato vivia dormindo no sofá, no tapete, nas cadeiras, nas camas, conforme sua vontade, e ela não permitia que ninguém o enxotasse. Koruga tinha todas as regalias, como se fosse um filho que Carmen não tivera.
Certa vez, Carmen notou que Koruga estava na cadeira de balanço e quando Madalena, a empregada, apareceu na sala, ele deu um pulo e saiu correndo apavorado. Achando estranho o comportamento do gato, Carmen perguntou à empregada por que o animal tinha medo dela. A moça gaguejou, dizendo que gato era assim mesmo. Carmen fez de conta que tinha se conformado com a resposta, mas resolveu fiscalizar o tratamento que a empregada dava a Koruga.
Não demorou muito para que Carmen flagrasse as vassouradas que o gato levou da empregada, por ter entrado na cozinha. Isso devia ser frequente, e agora estava explicado o motivo desse medo. Bastou esse flagrante, para que a serviçal fosse despedida, sem dó nem piedade. Não houve pedido de desculpa nem lágrimas, que fizessem Carmen confiar mais nessa mulher.
Koruga era louco por sardinha enlatada. Era mais inteligente do que certos humanos.
À tardinha, quando estava perto da hora de Carmen voltar da Receita Federal, onde trabalhava, Koruga se plantava na janela, olhando para a rua, até que o fusquinha de sua dona apontasse na esquina da Matriz de Nossa Senhora da Apresentação. Antes disso, não tinha quem conseguisse tirá-lo da janela. Nessa época, as janelas ainda podiam ficar abertas até à noite. Era um tempo em que, em Natal, ainda não havia ladrão.
Um certo dia, meses depois da saída da perversa empregada, Carmen já estava no trabalho, quando chegou na sua casa um irmão casado. Foi ver a mãe e terminou almoçando lá. Depois, dirigiu-se ao quarto de hóspedes, para dar um cochilo. Chateado por encontrar o gato deitado na cama, enxotou-o com uma grosseira mãozada. O homem adormeceu e dormiu a tarde toda. Ao acordar, enfiou os pés nos sapatos e eles estavam cheios de cocô de gato, cujo fedor se espalhou por toda a casa.
Nesse ínterim, Carmen chega do trabalho e sente falta de Koruga na janela. Entrou em casa, na hora em que o irmão esbravejava contra o gato e o procurava para dar-lhe outras mãozadas, por ter enchido seus sapatos de cocô.
O escândalo foi grande. Carmen quando ouviu o alarido dentro de casa, interferiu e ameaçou o irmão de cortar relações com ele, se tivesse a ousadia de encostar um dedo em Koruga, seu gato de estimação. Nesse momento, Koruga estava acuado e escondido debaixo de outra cama, temendo ser espancado novamente.
Esse irmão demorou muito a voltar à casa de Carmen.
Dessa vez, para alegria de Carmen, Koruga se vingou do agressor.