O GALO
Arthur Azevedo
A cena passa-se na roça, a uma légua da estação menos importante da Estrada de Ferro Leopoldina, lugarejo sem denominação geográfica, mas que pertence ao município do Rio Bonito, e aqui o digo, para que os leitores não suponham que estou inventando uma historieta.
Havia no lugarejo em questão uma palhoça habitada por dois roceiros, marido e mulher, que todos os domingos iam à povoação mais próxima vender os produtos da sua pequena roça e ouvir missa. Assim, atamancavam eles a vida, pedindo a Deus que não lhes desse muita fazenda, mas lhes conservasse a saúde.
Ora, um belo dia, a saúde desapareceu: o marido, apesar de ter a resistência de um touro, foi para a cama, atacado por umas cólicas terríveis, que o faziam ver estrelas. A mulher, coitada!, estava sem saber o que fizesse, pois que já havia em vão experimentado todas as mezinhas caseiras, quando ali passou por acaso, ao trote do seu jumento, o Dr. Marcolino, que exercia a medicina ambulante numa zona de muitas léguas. A roceira agradeceu a Providência que lhe enviava o doutor e pediu a este que examinasse o doente e o pusesse bom o mais baratinho que lhe fosse possível.
O Dr. Marcolino apeou-se, entrou na palhoça, examinou o enfermo, auscultou-o, martelou-lhe o corpo inteiro com o nó do dedo grande e explicou a moléstia com palavras difíceis que aquela pobre gente não entendeu. Depois, abriu o saco de viagem que levava à garupa do animal, tirou alguns vidros, de cujo conteúdo derramou algumas gotas num copo d'água, e disse doutoralmente:
– Aqui fica esta poção para ser tomada de três em três horas.
– Ah! Seu doutor, nós aqui não podemos contar as horas, porque não temos relógio!
– Regulem-se pelo sol. O sol é um excelente relógio quando não chove e o tempo está seguro.
– Não sei disso, seu doutor, não entendo do relógio do sol.
– Nesse caso não sei como... Ah!...
Este ah!, com que o doutor interrompeu o que ia dizendo, foi produzido pela presença de um galo que passava no terreiro, majestosamente.
– Ali está um relógio, continuou o doutor: aquele galo. Todas as vezes que ele cantar, dê-lhe uma colher do remédio. E adeus! Não será nada: Depois de amanhã voltarei para ver o doente.
Foi-se o médico, e daí a dois dias voltou ao trote do seu jumento.
Quem o recebeu foi o marido:
– Que é isto?... Já de pé...
– Sim, senhor: estou completamente bom, não tenho mais nada. E não sei como agradecer.
Mas a mulher interveio com ar magoado:
– Sim, ele não tem mais nada, mas o pobre galo morreu.
– Morreu? Por quê?.
–Não sei, doutor... ele bebeu todo o remédio.
– Quem?...O galo?...
– Sim, senhor; todas as vezes que ele cantava, eu, segundo a recomendação do doutor, abria-lhe o bico, e derramava-lhe uma colher da droga pela goela abaixo! Que pena! Era um galo tão bonito!