João Buretama afiando o corte do machado
Todo dia era a mesma coisa. Aos primeiros sinais da claridade do novo dia, João Buretama levantava da rede tijubana, retirava a cinza do cachimbo para encher novamente, pegava um pedaço de cuia com água, caminhava para uma latada onde vivia o jumento Brinquedo e começava a amolar o machado.
Bom de corte, o machado velho da luta do dia a dia ficava afiado em minutos. Só então Buretama se encaminhava para a assepsia diária da boca e em seguida caminhava para o café matinal – um pedaço de carne de bode com macaxeira cozida, leite de cabra e café. Era quase um bom almoço para quem logo estaria suando no corte das árvores encomendado pelo proprietário das terras, ou na abertura de mais uma vereda para encurtar distâncias entre os caminhantes.
Pronto para sair para a labuta. No caçuá posto no jumento Brinquedo, uma cabaça com água, uma faca peixeira na bainha, um facão para desbastar o mato no caminho, e um unguento preparado para debelar veneno de cobra, caso fosse picado.
Parar só para comer. Comer o que a velha Raimunda levava – seria perda de tempo caminhar de ida e volta até a casa para almoçar – que não era muito diferente do que comera no café da manhã. Dez minutos, ou um pouco mais para beber água, e dar uma cachimbada.
Esse, por anos, foi o dia a dia de quem, de quatro em quatro anos, no comecinho de outubro, saía de casa a pedido do patrão, e ia votar para eleger uma cambada de filhos da puta que vivem roubando a nação. Sempre foi assim. Jamais será diferente, por gerações e mais gerações.
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A genialidade de Roberto Ricci
Roberto Ricci fazendo mágicas no violão
Entre nós haverá sempre alguém que conversa com Deus. Em qualquer lugar do mundo haverá sempre esse tipo de gente. São os ungidos pelo Pai Celestial.
Lembro que, mais de uma vez, estávamos trabalhando na roça, limpando as ervas daninhas que subiam nas touceiras do milho ou sufocavam as ramas do feijão. Era nossa obrigação cortar a raiz das ervas e tirá-las da matança do feijão e do milho.
E, lembro também, que muitas vezes olhávamos para os céus com aquele azul maravilhoso, sem nenhuma nuvem que pudesse nos “dizer alguma coisa” – as nuvens, no sertão, as vezes se tornam um código decifrável para quem as conhece. Mas, há que conhecer, também, a Natureza de tudo que vive na Terra entre nós.
Por segundos, parávamos para secar o suor salgado que corria pela face, e ouvíamos o aconselhamento da Avó – que conversava com as aves e as árvores como se fossem da mesma espécie. Coisas de Deus.
– Cuide, se avexe que vai chover daqui mais cumpouco!
– Num vai chover não vó, com o céu limpo desse jeito num chove!
– Meu filho, o dizer da Natureza não está nos céus, que muda todo tempo ao gosto do vento. Está na terra, ao nosso lado, e entre nós. Espie aqui a pressa das formigas. Elas sabem mais do que nós!
E minutos depois o tempo mudava, e chovia.
Pois é. A Natureza está entre nós e alguns seres são ungidos. Deus lhes dá mãos, inteligência, humildade e até visão, se não tiver.
Ninguém precisa da visão para fazer o bem. O bem a gente faz é com o coração.
Pois, Deus se faz presente toda vez que ROBERTO RICCI pega o seu violão e mostra que o bem e a obra de Deus não têm limites nem atrapalhos. Filho de Raimundo José de Oliveira Ricci, e Terezinha de Jesus Ricci, Roberto Ricci nasceu em São Luís a 20 de maio de 1966.
Um equívoco no uso de medicamento para debelar um problema passageiro de saúde lhe levou a visão quando tinha pouco mais de um ano de idade. Hoje é considerado um dos maiores músicos instrumentistas do Maranhão – um gênio, para ser bem justo.
“Portador de deficiência visual desde um ano de idade – causada por excesso de medicamentos durante tratamento de saúde – Roberto Ricci é um artista de destaque na música maranhense pelos ritmos e sotaques de bumba-meu-boi que tira do violão com tanta proeza e eficiência. Ricci impressiona ao tirar das cordas do violão sons que se assemelham aos das matracas e pandeirões, além de todos os instrumentos da bateria do carnaval, produzindo todos esses sons sem mudar a afinação do instrumento, levando o público a ter a impressão de estar ouvindo uma orquestra ou mesmo um “batalhão pesado” de um grande grupo de boi. Começou a ter contato com a música com apenas sete anos de idade e desde então não parou mais. Autodidata, afirma não saber como nasceu todo o seu conhecimento musical, diz apenas que ele foi surgindo, o que ainda acontece até hoje. “
“Tudo aconteceu naturalmente, à medida que eu acompanhava os bumbas-bois e as escolas de samba. Nunca fiquei treinando, para ser mais claro, nem pego no violão quando estou em casa. Eu não tenho explicação para isso. É uma coisa espiritual, acho que vim cumprir uma missão aqui. Tenho certeza que não faço sozinho”, afirma.”