Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poemas e Poesias sábado, 08 de agosto de 2020

O DIA DA CRIAÇÃO (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

 

O DIA DA CRIAÇÃO

Vinícius de Moraes

 

Rio de Janeiro , 1946

Macho e fêmea os criou. 
Bíblia:
 Gênese, 1, 27 



I

Hoje é sábado, amanhã é domingo 
A vida vem em ondas, como o mar 
Os bondes andam em cima dos trilhos 
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar. 

Hoje é sábado, amanhã é domingo 
Não há nada como o tempo para passar 
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo 
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal. 

Hoje é sábado, amanhã é domingo 
Amanhã não gosta de ver ninguém bem 
Hoje é que é o dia do presente 
O dia é sábado. 

Impossível fugir a essa dura realidade 
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios 
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas 
Todos os maridos estão funcionando regularmente 
Todas as mulheres estão atentas 
Porque hoje é sábado. 


II

Neste momento há um casamento 
Porque hoje é sábado. 
Há um divórcio e um violamento 
Porque hoje é sábado. 
Há um homem rico que se mata 
Porque hoje é sábado. 
Há um incesto e uma regata 
Porque hoje é sábado. 
Há um espetáculo de gala 
Porque hoje é sábado. 
Há uma mulher que apanha e cala 
Porque hoje é sábado. 
Há um renovar-se de esperanças 
Porque hoje é sábado. 
Há uma profunda discordância 
Porque hoje é sábado. 
Há um sedutor que tomba morto 
Porque hoje é sábado. 
Há um grande espírito de porco 
Porque hoje é sábado. 
Há uma mulher que vira homem 
Porque hoje é sábado. 
Há criancinhas que não comem 
Porque hoje é sábado. 
Há um piquenique de políticos 
Porque hoje é sábado. 
Há um grande acréscimo de sífilis 
Porque hoje é sábado. 
Há um ariano e uma mulata 
Porque hoje é sábado. 
Há uma tensão inusitada 
Porque hoje é sábado. 
Há adolescências seminuas 
Porque hoje é sábado. 
Há um vampiro pelas ruas 
Porque hoje é sábado. 
Há um grande aumento no consumo 
Porque hoje é sábado. 
Há um noivo louco de ciúmes 
Porque hoje é sábado. 
Há um garden-party na cadeia 
Porque hoje é sábado. 
Há uma impassível lua cheia 
Porque hoje é sábado. 
Há damas de todas as classes 
Porque hoje é sábado. 
Umas difíceis, outras fáceis 
Porque hoje é sábado. 
Há um beber e um dar sem conta 
Porque hoje é sábado.
 
Há uma infeliz que vai de tonta 
Porque hoje é sábado. 
Há um padre passeando à paisana 
Porque hoje é sábado. 
Há um frenesi de dar banana 
Porque hoje é sábado. 
Há a sensação angustiante 
Porque hoje é sábado. 
De uma mulher dentro de um homem 
Porque hoje é sábado. 
Há a comemoração fantástica 
Porque hoje é sábado. 
Da primeira cirurgia plástica 
Porque hoje é sábado. 
E dando os trâmites por findos 
Porque hoje é sábado. 
Há a perspectiva do domingo 
Porque hoje é sábado. 


III

Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó Sexto Dia da Criação. 
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas 
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra 
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra 
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado. 
Na verdade, o homem não era necessário 
Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como as plantas, imovelmente e nunca saciada
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão. 
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias 
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa 
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos 
Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível na terra. 
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes 
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia 
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo 
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia, 
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias 
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio 
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula. 
Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos 
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas 
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade 
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo 
E para não ficar com as vastas mãos abanando 
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança 
Possivelmente, isto é, muito provavelmente 
Porque era sábado.

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