O DESPERTAR DA VIRGEM
Júlio Dinis
Que é isto? que sentimento
Me faz palpitar o seio?
Meu Deus, meu Deus, porque anseio?
A que aspira o coração?
Que me revela este fogo,
Esta vaga inquietação?
Da vida a clara corrente Porque é que se perturba? Porque, fugindo
da turba,
Eu só folgo ao ver-me a sós, Escutando ignotas falas
De não sei que estranha voz?
Inda há pouco me apraziam
Da alegre infância os folguedos;
Hoje não sei que segredos
O coração me prediz.
Enfadam-me as alegrias
Desses tempos infantis.
Às horas do fim do dia, Quando o Sol no mar declina E d’áurea
luz ilumina
Todo o horizonte ao redor, Porque me sinto enleada Num indizível langor?
De manhã, quando nas selvas
O dia desperta as aves,
E mil aromas suaves
Sobem dos campos ao céu,
Porque sinto ante meus olhos
Estender-se húmido véu?
E esta imagem resplendente, Que sorrir-me em sonhos vejo, Ai, tão
bela que desejo
Sempre mais tempo sonhar!
Quem é que em tão mago enleio
Me faz, sem querer, sonhar?
Este ansiar incessante,
Esta esp’rança inda tão ‘vaga
De gozos, que a mente alaga,
Mal lhe sabendo o valor,
Este ignoto sentimento…
Deus do Céu, será o amor?
Amor! que palavra é esta, Que ela só me sobressalta E mil
sensações exalta Desconhecidas pra mim…
Que poder mágico encerra
Para me agitar assim?
É o amor o sentimento Que me faz arfar o seio? Este gozo por que
anseio
E a que aspira o coração? É pois amor este fogo,
Esta vaga inquietação?
Nota do Autor. – Não sou por certo eu o melhor juiz da verdade desta poesia,
crevi-a de palpite. Julgue-a quem pode .