O DEFUNTO
Olavo Bilac
O grave professor, aprumando sobre o nariz os óculos de ouro, começa a sua lição. Grave, grave, o professor Mac-Leley! calvo, vermelho, possuindo nas bochechas flácidas algumas falripas raras e grisalhas, o velho inglês é a circunspecção em pessoa. Sempre trajado severamente — calças negras, colete negro, rodaque de alpaca negra, gravata negra de três voltas... Grave, grave, o professor Mac-Leley!
Levanta-se, tosse duas vezes, passeia pela sala um olhar minucioso, e principia. Os meninos, em semicírculo, agitam-se, mexem-se, dispõe-se a ouvir a palavra do mestre, que vai fazer a lição de cousas. Justamente um dos alunos faltou: morrera-lhe um tio. E o circunspecto Mac-Leley aproveita a ocasião para ensinar à classe o que é um defunto, o que é a morte, o que é a vida, o que é um cadáver...
— Quando cessa o funcionamento de um orgão, meninos, diz-se que este orgão está morto. O corpo humano é um conjunto de órgãos... O funcionamento de todos esses órgãos é a vida. Se os órgãos não funcionam mais, o homem morre, é um defunto, é um cadáver...
(Mas... que é aquilo? pelos bancos da classe passa, contínuo e mal disfarçado, um risinho alegre. Toda classe ri, tomada de uma alegria irresistível...)
— Meninos! continua o grave Mac-Leley — quando o corpo morre, começa a decomposição...
(O riso da classe continua também. Todos cochicham, todos se estorcem, todos se agitam nos bancos. O velho mestre enrubesce, atrapalha-se, sem saber o que provoca aquela alegria. Mas, sem parar, com a voz trêmula, prossegue.)
— E quando há a decomposição, há a infeção e...
(O grave Mac-Leley, pobre! pobre grave Mac-Leley! baixa os olhos, mira-se, examina-se, fica trêmulo... Malditos botões! malditos botões! também as calças são tão antigas! malditos botões! Malditos botões!... E o grave Mac-Leley está sobre brasas, e é quase sem voz que conclui o seu período.)
— Meninos... Quando há decomposição há infecção... e... por isso... por isso... é que é costume deixar a janela aberta... quando há defunto em casa...