Bar do Chope, no fundo a Igreja do Livramento
O fato se deu no auge do regime militar quando acontecia a Guerra do Araguaia no campo e a Guerra Urbana na cidade. Alguns radicais resolveram pegar em armas para derrubar a ditadura militar e implantar a ditadura do proletariado. O Brasil vivia um clima de receio do chamado “dedo duro”, apelido dado a quem delatava os supostos inimigos do regime.
Nessa época apareceu no Bar do Chope, ponto boêmio de Maceió, Eleutério Villa Velha. Ninguém sabia sua procedência e nem certeza que era coronel. No início da tarde, ele chegava puxando de uma perna, com um jornal embaixo do braço, cumprimentava os frequentadores do bar, tomava uma cadeira, abria um jornal e danava-se a ler. Impressionava por ser jornal de grande circulação no sul: O Globo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil.
Com o tempo, Eleutério conseguiu plantar informações que o deixou muito respeitado entre os desocupados e boêmios. Certa vez conversando com um bêbado, ele insinuou ser informante do S.N.I. e das Forças Armadas. Isso era nitroglicerina pura, como diria depois de alguns anos um nosso Presidente.
Histórias misteriosas sobre o coronel cada vez mais circulavam entre os amigos de bar. Uns diziam que o coronel Vila Velha mancava por consequência da explosão de uma granada. Outros tinham certeza que ele era coronel da Aeronáutica, e mancava devido à queda de um avião. Todas as histórias convergiam em ele ser informante, gente importante naqueles tempos, também chamado de “dedo duro”. Os boêmios desavisados deviam tomar cuidado e não conversar sobre política. Meter o pau no presidente Médici, nem pensar. Seria cadeia certa.
Eleutério alimentava o mistério, ele adorava fazer aquele papel, às vezes exagerava nas histórias. Já fazia parte da roda de desocupados. Quando o coronel chegava, os companheiros perguntavam pelas novidades. Eleutério, sério, colocava o jornal sobre mesa, entrelaçava os dedos das mãos e iniciava suas invencionices em tom confidencial.
– Ontem jantei com o Paes (coronel comandante do 20º BC – quartel do Exército), infelizmente não posso revelar detalhes, mas digo uma coisa, meus amigos, aqui para nós, favor não vão dizer que fui eu que informei, confio em vocês. Lá pelo Amazonas para as bandas do Rio Araguaia está havendo maior guerra. Os guerrilheiros comunistas treinados em Cuba, China e Moscou, estão lutando contra soldados do Exército. A coisa está preta, muitos mortos e feridos dos dois lados. Nenhuma notícia pode sair nos jornais.
Os colegas de copo e mesa ficavam admirados, de fato, esse tipo de notícia não era publicada; o que dava maior credibilidade ao Coronel Vila Velha. Era coronel para cá, coronel para lá.
Na verdade Eleutério tinha uma boa fonte de informação. Seu sobrinho, sargento da S/2 secção de informações do 20º BC, passava-lhe algumas notícias por alto, o tio insistia. Depois ele desenvolvia com fanfarronice no Bar do Chope.
Certa tarde ele estava lendo O Globo da semana anterior, enquanto 10 ou 12 jovens bebiam e conversavam perto de sua mesa. Ele ficou escutando a conversa, maior atenção. Logo depois Eleutério se juntou aos amigos e começou sua história. Os bêbados ficavam emocionados.
– Estão vendo aqueles jovens sentados à mesa, tomando chope, são todos comunistas. O magro é o Bomfim, o galego é o Ronaldo Lessa, o outro é o Jurandir Bóia, ainda tem o Ênio, o Aldo Rebelo, o Roland Benamor, o Geraldo Majella, o Iremar Marinho. Estão tramando subversão. Serão presos nos próximos dias.
Os desocupados de plantão ficavam na maior excitação. Ele sabe de tudo! Que cara bem informado. Admiravam e se orgulhavam da amizade do coronel.
Até que num fim de tarde quando a “galera” puxava um chope, ouviu-se um tiro, dois tiros, vários tiros. Houve uma correria frenética na Rua do Livramento, gente se abaixando, outros se deitando. Foi Ivanildo Omena, irmão do famoso Cabo Henrique que havia assassinado, descarregado o revólver no seu inimigo Paulo Calheiros no meio da multidão em frente ao Bar do Chope.
Quando serenou um pouco, os bêbados gritaram: “Coronel prenda o assassino. Coronel prenda o assassino, ele ainda está lá de revolver na mão,” O coronel, de repente, despareceu. Encontraram Eleutério encolhido embaixo de uma mesa por trás de uma mureta. O colega de copo exigiu sua interferência naquele brutal assassinato, ele respondeu, gaguejando, tremendo, ainda acocorado.
“Não… não sou co..coronel não, nem informante, nem dedo duro, sou funcionário aposentado!”
Ao correr para o banheiro Eleutério não pode esconder: estava com a calça suja. Cagou-se de tanto medo. Depois desse acontecimento nunca mais, “coronel Vila Velha”, o dedo duro, apareceu no Bar do Chope, nem no Centro da cidade.