O coronel Bitônio Coelho, mas conhecido pelos capangas pela alcunha de Bitõequêi, era um fazendeiro ignorante, mais grosso do que cano de passar tolete. Era desses coronéis que arrancava a unha dos desafetos com alicate e a transformava em paleta de corda de violão.
Qualquer assassino de homem, mulher, matador de aluguel que chegassem a sua fazenda pedindo guarida, ele nunca dizia não, mas mandava o caboclo montar logo no cavalo alazão bruto, ou em boi brabo sem proteção e pegar cobra no mato com a mão e ter de trazer para ele ver. Era adepto de São Tomé.
Odiava ladrão! Quando pegava um traquinando na fazenda, capturava, pendurava de cabeça para baixo no tronco, arrancava-lhe as tripas e pulava corda com elas e o resto do corpo fazia igual ao que Bruno, Macarrão e Bola fizeram no de Eliza Samudio: concretava!
Certa vez chegou um caboclo em sua fazenda, trazido pelos capatazes, assassino confesso da mulher que dizia ter matado por estar lhe pondo chifres com um padeiro vizinho.
Seu Bitônio Coelho mandou o caboco aguardar no saguão do casarão enquanto calçava as botas para espiar a fazenda e vistoriar o gado junto com os outros capatazes no pasto.
Quando se aproximou do acaboclo este estava de cabeça baixa, macambúzio, chapéu de palha na mão e com olhar de fome.
Vendo que o caboclo estava com fome, o Homem não perdeu tempo. Chamou uma das governantas da casa, mandou preparar um cuscuz com três pacotes de fubá, com meio quilo de carne de charque para o visitante e mandou servi-lo com uma caçamba de leite de vaca tirado na hora. Não deu cinco minutos, o matuto valentão engoliu tudo de um trago só, tamanha era a subnutrição!
Satisfeita a barriga, o fazendeiro chamou o caboclo na varanda da casa grande e, com um facão na mão e uma carabina nos quartos, perguntou-lhe o que fazia ali e o que queria dele.
O homem não teve demora nas suas pretensões, e falou:
– Se vosmicê permitir, eu queria ficá aqui por uns dias. É que matei minha mulé e estou fugindo do comissário da puliça!
O fazendeiro não negou a guarida ao caboclo, mas mandou que ele fosse à mata, pegasse um boi brabo pelos chifres, agarrasse uma cobra surucucu e ficasse em riba de um formigueiro por uma hora, e ainda lhe trouxesse um enxame de marimbondo!
O caboclo tentou argumentar que era uma injustiça as condições impostas pelo fazendeiro, e este argumentou:
– Interessante né seu cabra! Você é ou não é homem valente?! Não matou sua mulher e quer se esconder da puliça? Entonce, aqui é o lugar certo, mas com essas condições que eu meto a todo mundo que chega aqui! Você não quer me decepcionar, quer?
Percebendo não ter outra saída, o caboclo aceitou o desafio imposto. Garrou dum cavalo, danou-se pro mato, laçou o boi, pegou a cobra e veio todo encalombado de mordidas de formiga e marimbondo, apresentar o resultado da empreitada ao patrão.
Necessidade faz sapo voar – disse o matuto aos colegas da fazenda!
Depois de passar pela empreitada macabra o caboclo ganhou a simpatia do fazendeiro e tornou-se seu capataz preferido ao ponto de tudo que o Homem iria fazer o chamava para acompanhá-lo. Até motorista do fazendeiro o caboclo passou a ser.
Certo dia, seu Bitônio Coelho precisou ir a uma concessionária no Centro da cidade comprar uma carreta Mercedes Bez para carregar cana, capim, adubo, para a fazenda e chamou o caboclo para acompanhá-lo porque naquela altura já lhe tinha adquirido confiança.
Ao entrar numa concessionária, seu fazendeiro, com as duas botas meladas de barros, bostas de vaca, de cavalo e fedendo mais do que gambá, se dirigiu ao gerente da loja, que o recebeu na maior bajulação.
Antes de se sentar com as calças toda suja de bosta, aparecendo os dois ovos murchos por causa da braguilha aberta, se dirigiu ao gerente, com o capataz junto com ele todo ancho:
– Ôh! Paulo, me diga uma coisa meu fio: quanto é que custa aquela meceda amarela que está logo ali na frente?
Antes de o gerente responder, o capataz, metido a intelectual, interveio e o tentou corrigir:
– Mas seu Bitõe, não é meceda não, é carreta Mecedes Bez!
Ao que o velho, enfezado, na bucha, respondeu:
– Taí, tu sabe dizê o nome correto, mas não tem dinheiro pra comprá! Eu não sei dizer, mas posso comprá tudo que está aqui na loja! E aí quem manda mais: sou eu ou é tu? De que vale tu sabê falá feito um dôtô e não ter dinheiro pra comprá uma picape velha?
O cabôco pôs o rabo entre as pernas e aprendeu mais uma grande lição da vida: Manda quem pode. Obedece quem é fudido! E, feito um burro adestrado, murchou as orelhas, e nunca mais questionou o patrão!