Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Do Jumento ao Parlamento quinta, 02 de fevereiro de 2017

O COLECIONADOR, O SÁBIO E O FARISEU

O COLECIONADOR, O SÁBIO E O FARISEU

Raimundo Floriano

 

 

         Coleciono itens variados desde a tenra infância. Das coleções que tive – besouros, tampinhas de garrafa, maços de cigarro, peças íntimas femininas – e das que ainda tenho – livros, romances de cordel, elepês, fitas, carnaval brasileiro, MPB da velha guarda e selos – nem sempre cuidei bem.

 

         Colecionar implica o emprego de organização e método. Caso contrário, a pessoa é um simples ajuntador, um amontoador, de coisas. Uma coleção, para ser assim chamada, requer a adoção de sistema que proporcione uma busca rápida e fácil. Aprende-se isso com o tempo e na convivência com colegas de hobby. Minha coleção de selos é exemplar.

No passado, essas peças sofriam muitas agressões. Eram pregadas diretamente no álbum, razão pela qual muitas delas, bem antigas, se apresentam esmaecidos, desbotadas, lavadas, de tanto ficarem de molho, para se soltarem da folha e serem negociadas. Tempos depois, surgiu a charneira, pequena tira de papel para fixação nos álbuns, o que dava na mesma. Hoje, existe o hawid, também conhecido como maximaphil, envelope de acetato, comprido e estreito, aberto na extremidade superior e nas laterais, de fundo preto e autoadesivo, e face frontal transparente, onde se coloca o selo. Apenas o envelope é colado à página do álbum, depois de recortado no tamanho requerido, com a face escura preta a emoldurar a peça.

 

         Em minha coleção, uso, para maior segurança, folhas de álbum fotográfico japonês, superproteção que possibilita seu manuseio até por crianças.

 

         Embora existam os oficiais, os beneficentes e os propagandísticos, podemos classificar os selos em dois tipos: ordinários – ou comuns – e comemorativos. Os ordinários servem apenas para cobrar as taxas devidas aos Correios pela remessa de correspondência ou encomendas. Os comemorativos referem-se a um fato histórico, a um personagem ilustre ou a evento importante.

 

         Uma coleção pode ser temática – esporte, política, ciência, aviões, aves – ou geográfica – continentes, países, hemisfério.

 

         A 26 de maio de 1840, a Grã-Bretanha emitiu o primeiro selo postal adesivo do mundo. Com o valor de 1 penny, ficou para sempre conhecido como penny black. Não o possuo – quem dera! A cópia a seguir é reprodução de peça publicitária:

 

          O Brasil foi o segundo país do mundo a emitir selo postal. No dia 1º de agosto de 1843, lançou aquele que, por seu desenho, ficou conhecido como olho-de-boi, nos valores de 30, 60 e 90 réis. São selos ordinários, pois a nada se referem. Até mesmo o nome da moeda da época é omitido. Em perfeito estado de conservação, sem carimbo, alcançam alto preço no mercado especializado. Os que adiante se veem, pertencem a meu acervo, defeituosos, claro:

  

         Só em 1900, com as festividades relativas ao 4º Centenário do Descobrimento, o Brasil passou a emitir selos comemorativos.

 

         Comecei a colecioná-los em 1945, aos 9 anos de idade. Naquele tempo, uma das poucas diversões culturais dos meninos do interior. É com orgulho que exibo meus primeiros exemplares, homenagem à FEB – Força Expedicionária Brasileira: 

                         Ainda que de muito longe, vivenciávamos o ambiente da 2ª Guerra Mundial, quando a FEB, na Itália, se incorporara ao 5º Exército americano, daí o A 5. A cobra fumando é o símbolo que identificava nossos soldados, também conhecidos como pracinhas.

 

         Coleciono apenas selos comemorativos brasileiros. Possuo desde o primeiro até o que saiu na semana passada. Não faz muito tempo, quando alguém folheava meus álbuns, era, às vezes, inevitável a pergunta:

 

         – Você tem o olho-de-boi?

 

         Visando a evitar a longa explicação de que tal selo é ordinário, fora, portanto, do contexto, adquiri uma série por baixo preço, para matar a curiosidade de alguns. E isso me confere, também, um certo status.

 

         Em 1976, obtive o cobiçado Prêmio Olho-de-Boi, concedido pela ECT - Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Em seguida, essa companhia me pediu por empréstimo a coleção e a levou para expô-la, no Rio de Janeiro e em outros Estados, por mais de seis meses. Meu acervo era igual ao dos demais concorrentes. O que o diferenciou foi – modéstia à parte – a esmerada apresentação.

 

         Se, por um lado, a notoriedade adquirida com minhas coleções e outras atividades, tais como mestre de banda e diretor de bloco de carnaval, era gratificante, por outro, despertava ciúme e inveja em mentes doentias.

 

         Para ilustrar essa negativa faceta, solicito permissão para falar de um sábio, grande amigo, excelente e fraternal colega, com quem tive a honra de trabalhar na Câmara dos Deputados. Trata-se do mineiro Ivannoeh Lopes Rosas. O leitor pode achar um despropósito sua inclusão neste capítulo, mas eu digo que tem tudo a ver.

 

         Trabalhávamos na Liderança do PTB, ele exercendo o cargo de Chefe de Gabinete, eu, por indicação sua, o de Chefe de Secretaria e seu substituto eventual. Ocupávamos ambos a mesma dependência, num pequeno espaço denominado pelos demais funcionários como Sala da Chefia.

 

         No primeiro dia em que assumi as funções naquela sala, cheguei carregado de livros: dicionários, enciclopédia, manuais técnicos. Ao ver-me arfando com o peso daquilo tudo, Ivannoeh quis saber o porquê de tanto esforço, e eu respondi que era uma velha mania, que tais calhamaços me garantiam, dentro daquela filosofia de que burro carregado de livros é doutor. Ele, sem qualquer intenção de menosprezo, proferiu esta lapidar frase latina:

 

         – Omnia mea mecum porto! (Tradução: levo comigo tudo o que tenho.)

 

         Com isso, queria dizer que todo o seu conhecimento se encontrava guardado no cérebro. E não era jactância. Redigia qualquer proposição ou pronunciamento parlamentar sem recorrer a fonte de consulta alguma e sem reler o que já escrevera. À medida em que enchia cada folha de rascunho, um funcionário a levava ao datilógrafo em outra sala e, no final, saía um trabalho perfeito, sem carência de revisão. Outra frase sua, que o caracterizava:

 

         –Raimundo, eu não tenho esquinas, não tenho arestas, tudo o que bate em mim, resvala.

 

         Se assim falava, melhor procedia. Quando deputados da Bancada lhe encomendavam a minuta de pronunciamento sobre determinado tema, só um esclarecimento pedia:

 

         – Contra ou a favor?

 

         Igualmente, não admitia maledicências, desfazia ressentimentos, apaziguava inimizades.

 

         Contaram-me – não presenciei essa ocorrência – que, a um homem desses, que não tem arestas, que não se dá a fofocas, dirigiu-se, certa vez, um fariseu – pessoa conceituada na Bíblia como falso, fingido e hipócrita, cujo nome, se mencionado, só traria desdouro a estas páginas –, com o intuito de me passar uma rasteira:

 

         – Ivan, toma cuidado, acautela-te desse tal de Raimundo Floriano com quem divides a Sala da Chefia. Corres muito perigo!

         – Por quê? – Surpreendeu-se o sábio.

         –Nem te conto, Ivan. Disseram-me que o cara é hemofílico, sifilítico, ou coisa parecida! – Disparou o fariseu.

         – Nada disso. O Raimundo é filatélico, filatelista!

         – E daí? Não é perigoso da mesma forma?

         – Não! Filatelista é quem coleciona selos, e ele, nesse ramo, é um dos mais conceituados do país!

         –Ivan, Ivan, tu estás é por fora! Até em seu cartão de visitas, ele se intitula parafrasta, sujeito de comportamento duvidoso, que não gosta do sexo oposto!

         – Novo engano seu. O Raimundo pertence à linhagem de Jerônimo de Albuquerque, o Adão Pernambucano. Ele é parafrasta, sim! Neste gabinete, faz traduções e decifra cartas ilegíveis de eleitores – esclareceu Ivannoeh.

         –Agora, Ivan, sai desta: eu soube que, no interior do Maranhão, ele é pedófilo!

         Ivannoeh não perde a calma:

         – Que pedófilo, que nada! Ele é mesmo é pedólogo, edafólogo!

         – E então, não é uma tara, uma aberração?

         Imperturbável, o sábio encerra o papo:

         – Não, colega. O pedólogo ou edafólogo é especialista no estudo do solo. Atividade que o Raimundo Floriano frequentemente pratica, lá no sertão, quando vai arrancar minhocas para pescar!

 

         Esgotado todo seu veneno, o fariseu se retirou. Saiu da Sala da Chefia com o rabo entre as pernas, deixando no ar uma forte catinga de enxofre e chifre queimado.

 

         Assim me contaram!

  

Ivannoeh Lopes Rosas: competência
e sinceridade sem arestas

 

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