Imagem irônica feita à época da exacerbação da censura em Hollywood
Hoje em dia, parece impensável a ideia de censura e limites à liberdade de expressão de um artista, porém é interessante lembrar que cerca de 90 anos atrás um dos maiores guardiões (atualmente) da liberdade de expressão foi palco de um código de censura moral imposto sobre a arte, e estamos falando dos Estados Unidos, mais especificamente, de sua indústria cinematográfica.
Voltando no tempo, em 1922, após uma série de filmes polêmicos e escândalos envolvendo estrelas de Hollywood, os estúdios de cinema decidiram por criar uma associação, conhecida formalmente como Associação de Produtores e Distribuidores de Filmes da América (Motion Picture Producersand Distributorsof America – MPPDA). Para comandá-la, foi contratado o líder presbiteriano Will H. Hays como presidente, numa tentativa de restabelecer a boa imagem de Hollywood perante a sociedade americana da época. Hays, então ex-diretor-geral do Serviço Postal dos Estados Unidos, e um membro proeminente do Partido Republicano, recebeu um extravagante salário para defender a indústria dos sucessivos ataques externos.
Nesta mesma época, líderes religiosos, civis e políticos condenavam a indústria cinematográfica como uma fonte de imoralidade. A pressão política sobre os estúdios estava cada vez maior, com cerca de mil projetos de lei censurando o cinema sendo discutido em 37 dos estados americanos.
Isto foi possível devido a uma decisão da Suprema Corte em um caso em 1915, onde foi decidido que a Primeira Emenda da Constituição não se aplicava ao cinema. Com base nesta decisão, em 1921 o Estado de Nova York criou um comitê de censura, sendo seguido pelo Estado da Virgínia e outros. De repente, cerca de oito estados possuíam um comitê de censura, o que significava que um único filme deveria se submeter às diferentes regras de cada estado. Os cineastas, com medo de que logo cada estado e cidade adotasse seu próprio código, fazendo com que fosse preciso produzir diferentes versões do mesmo filme para cada região, aumentando em muito o gasto com a produção, começaram a pensar em um sistema de autocensura, um imposto pela própria Associação, para que acelerasse a liberação dos filmes nas diferentes regiões. Se eles mesmos censurassem seus filmes, os outros comitês não teriam do que reclamar.
Foi quando Hays sugeriu aos chefes de estúdio a criação de um comitê para debater como seria feita essa censura aos filmes. Os chefes dos principais estúdios responderam ao chamado e criaram uma lista chamada de “os “não pode” e “tenha cuidado” dos filmes”, baseada nas reclamações dos comitês de cada estado. A lista era longa e trazia onze assuntos que deveriam ser evitados e vinte e seis que deveriam ser tratados com cuidado pelos diretores. Logo essa lista foi aprovada pela Administração Federal do Comércio (Federal Trade Commission – FTC) e Hays se pôs a criar o Comitê de Relações com os Estúdios (Studio Relations Committee – SRC), para fiscalizar a implementação. Entretanto, ainda não havia uma forma eficaz de controlar o conteúdo dos filmes, e a sociedade passava pela Grande Depressão de 1929, aumentando a controvérsia e as polêmicas sobre os seus conteúdos.
Foi então formulado o Código Hays, conhecido oficialmente como Motion Picture Production Code ou Código de Produção de Cinema, um conjunto de normas morais aplicadas aos filmes lançados nos Estados Unidos pelos grandes estúdios cinematográficos. Sob a liderança de Hays, a MPPDA (Motion Picture Producersand Distributorsof America), mais tarde conhecida como MPAA, adotou este código de autocensura em 1930, sendo aplicado de maneira mais rígida a partir de 1934. A partir de agora, o código diria qual conteúdo era aceitável ou não-aceitável para os filmes produzidos nos Estados Unidos.
Entre 1934 e 1954, sob o regime de Joseph Breen, administrador indicado por Hays para supervisionar a implementação do código enquanto diretor da PCA (Production Code Administration), a indústria seguiu o código à risca. Durante sua regência, os filmes que se adequavam ao código recebiam um selo de aprovação da Associação, enquanto os reprovados eram proibidos de serem distribuídos pela entidade, o que reduzia bastante seu alcance junto ao público e suas chances de êxito comercial. Além disso, os estúdios infratores recebiam uma multa de cerca de 25 mil dólares na época.
A partir de 1956, devido ao impacto da televisão, à influência de filmes estrangeiros, à presença de diretores controversos que não aceitavam as restrições e à intervenção da Suprema Corte, o código começou a sofrer mudanças. Com a contracultura dos anos 1960, os cineastas se tornaram mais ousados e começaram a violar o código de maneira deliberada. Em 1964, o diretor Sidney Lumet incluiu cenas de mulheres nuas em seu filme “O Homem do Prego” (The Pawnbroker – 1965). Foi um dos primeiros filmes a trazer cenas de nudez e embora a MPAA tivesse garantido que se tratava de uma exceção, pouco tempo depois outros diretores começaram a ousar e o Código Hays passou a ser cada vez mais ignorado. Perdendo sua força com o tempo, foi derrubado e substituído em 1968 pelo Sistema de Classificação Indicativa por Idade da MPAA, que está em vigor até hoje.
A MPAA ainda concede um selo aos filmes que são distribuídos pelos estúdios que fazem parte da Associação. Este selo contém a classificação indicativa da obra em questão, sendo: G (conteúdo livre para todas as idades); PG (algum conteúdo inadequado para crianças); PG-13 (algum conteúdo inadequado para menores de 13 anos); R (menores de 17 anos precisam de acompanhamento) e NC-17 (conteúdo adulto – proibido para pessoas com 17 anos de idade ou menos).