Para a cronista do JBF, Violante Pimentel
Meado dos anos setenta para o início dos anos oitenta.
A temporada de circo popular já estava começando a decair vertiginosamente por todo o interior do Estado de Pernambuco por causa da chegada do rádio e da televisão.
Nessa época chegou aos arredores do Sítio São Francisco de propriedade dos meus pais, um circo sem nome que a gente logo o batizou sarcasticamente de “Deus tomara que não chova”.
Composto de um palhaço desmilinguido, pau para toda obra, dois cachorros vira latas, uma macaquinha, um papagaio desbocado e quatro adolescentes filhos do palhaço com os buchos cheios de ascaris lumbricoides, que minha mãe ajudou a tratar com ervas do mato e muito leite de jumenta e cabra.
Antes da primeira apresentação, o palhaço saiu de sítio em sítio durante o dia numa bicicleta toda esculhambada convidando a população e informando-a que ia haver espetáculo à noite e que começava às oito horas. Aproveitando o ensejo, já que era um circo pobre, pedia alimentos para suster a família aos proprietários dos sítios que visitava. Papai sempre dava mais do que o necessário! Fome dá dor de cabeça – dizia!
No dia da primeira apresentação chegou do Recife uma cunhada que a gente chamava de “Cumade Salvina”. Balzaquiana cheia de vida, alegre, descontraída, desbocada, espevitada, histérica, cochas grossas, bunda enorme, tarada por homem. Ria de tudo e encabulava todo mundo com as suas risadas histéricas e altas. Qualquer motivo para ela era pretexto para dar altas gargalhadas que incomodava até “a mãe de calor de figo” – no dizer de minha querida mãe. A gente a adorava; ria de se mijar!!
Sete da noite, taca a gente para o circo assistir ao tão aguardado espetáculo, principalmente a apresentação do palhaço e do malabarista.
Chegando lá, a arquibancada velha e cai mais não cai, já estava toda ocupada de marmanjos e marmanjas da redondeza cheios de expectativas.
Ocupamos mais de oito assentos nas arquibancadas que davam de frente para o picadeiro. Astuciosamente deixamos Cumade Salvina sentada no meio da trupe, de fronte para o palhaço.
Antes de sair de casa mamãe recomendou Cumade Salvina para se comportar, “pois suas risadas escandalosas poderiam tirar a concentração do palhaço e malabarista e esse poderia perder a compostura, ficar aborrecido e querer tirar satisfação com ela.”
Mais ou menos às sete e meia da noite entra um adolescente com o rosto todo melado de cal, sobe no picadeiro e, com voz de falsete, anuncia o primeiro número da noite:
– Atenção, minha gente! Vamos receber agora o maior equilibrista da redondeza. Ele consegue movimentar seis troncos de peroba sem deixar nenhum cair no chão.
Fica em cima de uma tábua equilibrada numa bola sem cair no chão e ainda equilibra a bola na cabeça por mais de meia hora sem ela cair no chão! É fantástico!
Quando o palhaço entra no picadeiro todo lambuzado de tinta amarela, calças e camisas rasgadas, e começa a movimentar os paus lisos, um espírito zambeteiro baixa em Cumade Salvina que, não contendo o riso, começa a gargalhar sem parar: Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá!…, com o povo ao lado sirrindo também!
Nesse momento, o palhaço joga os paus para cima e, meio desequilibrado, deixa dois caírem no chão. Desequilibra-se da tábua e cai no chão esparramado também, ficando todo melado de lama, pois havia chovido horas antes e o circo não tinha lona para cobrir todo o teto. Vendo a cena hilária, Cumade Salvina não se contém e desaba numa risadagem histérica sem fim que chama a atenção até do povoado.
– Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá!… Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá!…
Encabulado e todo melado de lama, o palhaço pega a tábua e as bolas, se dirige à Cumade Salvina e pede “pelo amor de deus”:
– Moça, por favor! Deixe das suas risadagens porque quem já está ficando destreinado sou eu! A continuar desse jeito com a senhora com essas risadas altas eu não consigo me concentrar! O espetáculo vai por água abaixo e eu fico sem meu ganha pão!..
Mal o palhaço deixou de falar Cumade Salvina desabou noutra risadagem histérica tão da molesta do cachorro que nós achamos por bem pegar o Bonde do Tigrão e partir para casa antes que o palhaço perdesse as estribeiras e tacasse o cacete em toda trupe!
Cumade Salvina tirava qualquer um do sério, até palhaço de circo! Quá!Quá! Quá! Quá!
* * *
CONDENAÇÃO
O rapper americano Suge Knight, considerado o ícone do hip hop e empresário arrojado, cofundador da Death Row Records, Marion ‘Suge’ Knight, foi condenado a 28 anos de prisão pelo juiz Ronald Coen, do Supremo Tribunal de Los Angeles, acusado de assassinato, tentativa de assassinato e atropelamento com fuga. Esse episódio aconteceu em janeiro de 2015 e a condenação foi confirmar no dia vinte de setembro.
Ele afirmou em audiência não contestar as palavras do juiz. Sua sentença passará a valer a partir do dia 4 de outubro. A condenação foi por 22 aos pelo assassinato, mais 6 por ter violado sua condicional. Ele se safou de pegar prisão perpétua por que fez um acordo com o juiz para cumprir a pena e não ir a júri popular.
Tomando como exemplo o caso acima, fosse aqui no Brasil, o rapper americano Suge Knight estaria livre, leve e solto, gozando da cara das gentes decentes, por extinção da punibilidade por interposição de recursos e mais recursos protelatórios, que resultaria na prescrição criminal. Requeria a insanidade mental. Alegaria ser primário com bons antecedentes, empresário, criador de empregos, como aconteceu com o marginal Edmundo Alves de Souza Neto, responsável pela morte dolosa de três jovens inocentes em 1999 e que teve sua pena extinta 2007 pelo Supremo Tribunal de Favores (STF), por prescrição penal! Isto é: A vida no Brasil, para o Código Penal de 1940, é uma bosta!
Qual o candidato que se apresenta à presidência da República do Brasil que tem a coragem de trabalhar para mudar o rumo cruel dessa impunidade que afronta todos os princípios básicos da dignidade dos homens e das mulheres trabalhadeiras e honestas?