Rosalva só falava, só vivia, só pensava em seu casamento. Um ano e três meses de planejamento e preparação. Escolheu a melhor igreja da cidade; o vestido, um primor, era ótima costureira. Vivia trocando a relação dos 150 convidados. Mais de um ano vivendo de expectativa do casamento. Aqueles momentos de preparação, de organização e planejamento, faziam de Rosalva a mulher mais feliz do mundo. Parte do dinheiro que seu pai deixou de herança ela gastaria na cerimônia e recepção. Gostava de ouvir as sugestões das amigas. O noivo, Cândido, não era o que se pode chamar de trabalhador, tinha uma boa conversa, discurso revoltado com a situação do país, era conformado com uma sinecura no Governo, arranjado pelo primo deputado. Ajudava Rosalva em alguns preparativos. Quando os noivos estavam a sós, se grudavam em abraços, beijos e amassos, entretanto, a virgindade foi preservada, tal como prometera ao pai antes dele morrer, um pastor antiquado. Só daria depois de casada.
Afinal o dia do casamento, um bispo fez uma bela pregação, Rosalva emocionou-se ao ouvir citar o pai, o casamento foi bonito como ela queria. Preparou-se durante mais de um ano para uma cerimônia de uma hora e uma recepção aos amigos e parentes. Ela estava feliz, realizada.
Lua-de-mel em Salvador, Cândido fez e aconteceu, ensinou pormenores, Rosalva gostou, uma semana e meia de amor, o noivo mostrou sabedoria e competência, a esposa era só felicidade.
Afinal a festa acabou. E agora Cândido José? Como acostumar-se à vida de casado? Ele até que fez força para ficar em casa sossegado, mas foi difícil se conter. Começou a frequentar os bares da vizinhança enquanto Rosalva ensinava em dois colégios. Cândido não ia ao trabalho, dizia ganhar pouco para trabalhar, contudo, adorava no final do mês ver depositado o pequeno salário. Outro emprego, a preguiça não deixava, desculpava ser funcionário público não podia assinar carteira. Essa vida de malandro foi prevista pelas amigas.
Ela trabalhava dois turnos, teve que contratar uma jovem diarista para faxina e serviços gerais duas vezes na semana. O almoço e o jantar o casal preparava no momento conveniente. Assim foram os primeiros anos de casamento.
Certa tarde houve um problema na escola, muita chuva, pingueiras, não havia condições de aulas, alunos e professores foram dispensados. Rosalva ficou alegre, naquele dia faziam dois anos de casados. Pensou numa tarde de chuva e amor com Cândido, o bom de cama. Foi ao supermercado, comprou um galeto na brasa, algumas cervejas. Radiante faria uma surpresa a seu marido. Eram ainda três horas da tarde. Ao chegar em casa, abriu a porta e percebeu vozes no quarto de empregada, colocou os pacotes na mesa, aproximou-se devagar, ouviu o diálogo entre surpresa e irada.
– Seu Cândido o senhor me prometeu um agrado, estou precisando, pelo menos 50 real, vá seu cara, eu não fiz o que você queria?
– Lindinalva entenda, é uma questão de princípio, eu não dou dinheiro à mulher, dou presente; essa calcinha vermelha não fui eu que dei? Você é gostosa, estou doidão por você, lhe dou presente, mas, dinheiro não, é contra meus princípios, um homem de bem como eu, tem que ter princípios.
Os dois seminus sentados na cama foram surpreendidos com a fúria de Rosalva batendo com um rodo grosso em suas cabeças, gritando incontida.
– Para fora de minha casa, dois safados. Vou mandar lhe capar!
Cândido nem tentou se explicar, ao sentir a força irada da esposa, de cueca, escafedeu-se pelas portas do fundo, correu pela rua do jeito que estava; nunca teve coragem de retornar ao lar. A morena levou uma surra de rodo e panela. Rosalva juntou os pertences do marido no meio da rua, tocou fogo. Foi o assunto da semana na vizinhança.
Por orientação de uma advogada, Rosalva entrou com uma ação por traição e danos morais. Semana passada saiu a sentença, o juiz condenou Cândido a pagar R$ 30 mil como indenização das despesas do casamento que Marilda bancou. Como ele vai pagar, é outra questão.