Guarita
Anos setenta.
Havia uma guarita estratégica no quartel da Aeronáutica do Recife que, por sua visibilidade lunar, era cobiçada por quase todos os recrutas que por lá passavam.
No setor administrativo da Aeronáutica trabalhava um sinecura frustrado que já fora sentinela por várias vezes e nunca se desapegou do posto, mesmo sabendo que existia um Regimento Interno que proibia qualquer um ocupar o lugar por inúmeras vezes.
Esse burocrata, inconformado com sua “aposentadoria compulsória” do posto, assinada pelo capitão, passou a perseguir todos os recrutas que eram designados para a guarita. Ficava acordado até altas horas da noite e, quando o quartel dormia, saltava do beliche e, na ponta dos pés, seguia pelo pátio rastejando até a cabine onde estava o novato ocupando o espaço onde ele ficou por diversas noites.
Antes de se aproximar da guarita, o sentinela frustrado se certificava se o recruta estava dormindo e, quando o pegava cochilando, corria para o capitão e o denunciava como uma vingança por não puder mais ocupar aquele posto.
Com essa atitude tacanha, o burocrata denunciou e prejudicou vários calouros inexperientes que, sem saberem, foram castigados pelo capitão, que também não sabia da psicopatia do sinecura.
Certa vez chegou um matuto no quartel com cara de tabaco leso, mas mais vivo do que um cão de caça e mais desconfiado do que matuto traído e, como fora designado pelo capitão para ficar na guarita, foi alertado pelos veteranos que ficasse de olho no burocrata que costumava cabuetar ao capitão todos os recrutas que ficavam naquela guarita e o capitão a todos castigava numa solitária do quartel por uma semana pela desatenção.
Tomando pé da situação, o matuto disse apenas aos veteranos:
– Deixa comigo! Vou desmoralizá-lo no pátio! Vocês vão ver – disse com um riso gaiato nos lábios!
De noite, hora marcada, o matuto pega sua carabina 38 e segue para a guarita e lá fica de olhos bem abertos.
Mais ou menos meia noite, um silêncio que só se ouvia o grilar dos grilos e o corujar das corujas, o matuto ouviu um barulho estranho vindo de dentro do mato. Desconfiado, acendeu a lanterna e deu de cara com o cabueta à sua frente. Não se abateu, e reagiu:
– Esteja preso, seu moleque safado! Levanta as mãos, e não baixe porque senão lhe meto chumbo no rabo!
O cabueta pediu por clemência:
– Não! Não faça isso não! Eu só vim até aqui saber como você está! Por favor, deixe-me ir!
E o recruta, já por dentro da safadeza do burocrata, retrucou:
– Porra nenhuma! Mantenha as mãos para cima! Largue o rifle e siga em frente até o pátio do quartel, senão lhe estouro os miolos!
Antes de chegar ao pátio, o recruta gritou para acender todas as lâmpadas. Acordou todo mundo com o apito. Mandou acordar o capitão também e, no meio de todos os presentes, discursou:
– Gente, peguei esse safado tentando me fisgar lá na guarita! Não lhe meti uma bala na cabeça em respeito ao capitão, que eu gostaria que tomasse conhecimento para ver quem é o pilantra do quartel que cabueta todos os sentinelas novatos!
Disse isso e deu meia volta. Fez continência! Cumprimentou a todos os presentes com um balançar de cabeça e voltou para o posto com a sensação do dever cumprido.