O BURRO JUIZ
Monteiro Lobato
Disputava a gralha com o sabiá, afirmando que a sua voz valia a dele. Como as outras aves rissem daquela pretensão, a bulhenta matraca de penas, furiosa, disse:
— Nada de brincadeiras. Isto é uma questão muito séria, que deve ser decidida por um juiz. Canta o sabiá, canto eu, e a sentença do julgador decidirá quem é o melhor artista. Topam?
— Topamos! piaram as aves. Mas quem servirá de juiz?
Estavam a debater este ponto, quando zurrou um burro.
— Nem de encomenda! exclamou a gralha. Está lá um juiz de primeiríssima para julgamento de música, pois nenhum animal possui maiores orelhas. Convidê-mo-lo. Aceitou o burro o juizado e veio postar-se no centro da roda.
— Vamos lá, comecem! ordenou ele.
O sabiá deu um pulinho, abriu o bico e cantou. Cantou como só cantam sabiás, garganteando os trinos mais melodiosos e límpidos. Uma pura maravilha, que deixou mergulhado em êxtase o auditório em peso.
— Agora eu! disse a gralha, dando um passo à frente.
E abrindo a bicanca matraqueou uma grita de romper os ouvidos aos próprios surdos. Terminada a justa, o meritíssimo juiz deu a sentença:
— Dou ganho de causa à excelentíssima senhora dona Gralha, porque canta muito mais forte que mestre sabiá.
Quem burro nasce, togado ou não, burro morre.