O BRAVO
Humberto de Campos
Pai de uma menina que era um encanto, o coronel Peregrino encontrara na vida, pela primeira vez, uma dificuldade que lhe detivera o passo: o casamento da filha, a escolha de um noivo digno, bravo, correto, entre os jovens oficiais da guarnição. Três tenentes, nada menos, disputavam-lhe a mão, e era essa rivalidade, exatamente, que dificultava a solução do problema. Todos eram galantes rapazes e elegantíssimos oficiais, e, como a pequena se não decidisse por si mesma, o caso era atirado, inteiro, à delicada responsabilidade do pai.
Certo dia, reunida no quartel a oficialidade da guarnição, chamou o coronel à parte os três jovens tenentes, e, torcendo marcialmente, com as duas mãos, as fortes guias do bigode grisalho, propôs, severo:
— Eu sei que os senhores, os três, têm paixão pela minha filha, cuja mão já me pediram em casamento... A escolha, entre os senhores, é dificílima. Se eu fosse comerciante, preferiria o mais rico. Se fosse fidalgo, o mais nobre. Se me preocupasse com as aparências, o mais elegantemente vestido. Sou, porém, um soldado, e, como, tal, faço questão de escolher para genro o mais valente, o mais bravo, o mais corajoso. Não acham justo?
— Perfeitamente! — exclamou o tenente Coimbra.
— Perfeitamente! — confirmou o tenente Torres.
— Perfeitamente! — concordou o tenente Samuel.
— Nesse caso — tornou o coronel — vou submetê-los a uma prova.
E ordenou; para dentro:
— Cabo Matias, prepare a metralhadora.
O inferior puxou a máquina para o pátio, mexeu nas munições, remexeu nas ferragens, e avisou:
— Pronto, Sr. coronel.
O velho militar examinou a arma e, vendo que tudo ia bem, tomou os rapazes pelo braço, colocou-os a seis metros do aparelho mortífero, e ordenou, com voz de comando:
— Um!... Dois!...
E ia dar o último sinal para descarga da metralha, quando dois vultos pularam, rápidos, num movimento de terror, colocando-se fora do alvo.
— Covardes! — trovejou o coronel. E eram estes pusilânimes que pretendiam a mão da minha filha!...
E dirigindo-se ao terceiro, que se não afastara do lugar:
— O senhor, sim, é um bravo! A menina é sua!
E, estendendo-lhe a mão:
— Venha daí; vamos ver a sua noiva.
O oficial detinha-se, porém, imóvel.
— Vamos, homem! — insistiu.
O tenente olhou para um lado, olhou para outro, e, afinal, confessou:
— Posso lá o que! Se eu pudesse sair daqui, eu tinha corrido!
E para o cabo:
— Matias, empresta-me a tua calça?