Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

José de Oliveira Ramos - Enxugando Gelo terça, 19 de setembro de 2023

O BONDE E A GAIVOTA (CONTO DE JOSÉ DE OLIVEIRA RAMOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O BONDE E A GAIVOTA

José de Oliveira Ramos

Bonde 38 no trajeto para o Centro

 

1 – O BONDE

Era exatos 11 km a distância percorrida pelo bonde 38, do ponto final da linha, no bairro Perizes até o Centro da cidade. Esse percurso demorava um pouco mais de 1 (uma) hora para ser percorrido, por conta do excesso de paradas e o embarque e desembarque de passageiros.

Desde a estação Santo Amaro, até o abrigo público na Praça João Lisboa, naquele sobe-e-desce, o 38 carregava cerca de 250 passageiros do início ao fim do percurso. Na estação Santo Amaro, a demora não era tão grande, haja vista que o motorneiro Saturnino, apelidado por todos com o carinhoso “Salu”, virava a lança elétrica num piscar de olhos – também não demorava mudar de posição e dar partida para mais uma viagem. Agora, de volta.

Mas, algumas paradas estratégicas eram necessárias. Uma, na feira livre, quando o 38 trafegava de Perizes para o Centro, para que alguns vendedores de legumes, frutas e outros que tais descessem para vender seus produtos, e outros para “fazer a própria feira” da semana. Isso sem contar algumas pessoas que se dirigiam para o Centro no percurso da volta, após realizarem suas compras na própria feira livre.

Outra parada que muitos de hoje chamariam de “parada técnica”, acontecia quando o sinal ficava vermelho, avisando que vinha outro bonde no sentido contrário na mesma linha. Havia a necessidade de esperar a passagem do 30.

Pois, nessa espera, a vida de “Salu” foi embalada e teve uma drástica mudança. Durante as cinco ou seis viagens diárias entre os dois pontos finais, aquela parada no sinal vermelho, sempre por volta das 10 horas, foi transformada no alimento sentimental da alma do motorneiro. Na parada para esperar o sinal, “Salu” avistava numa janela de uma casa do outro lado da rua, uma bela e sorridente senhorita. Apoiada na janela, a jovem sorria, distribuindo a alegria que vinha de dentro de si.

Por vários dias, meses e anos, aquele verdadeiro presente acabou cativando “Salu”. Com o tempo, Salu sequer observava se o sinal ficara vermelho ou pouco lhe interessava se o bonde 30 passara ou não. Era o sorriso da jovem que o fazia parar.

Aos poucos, os meios de transportes da cidade e do bairro foram se modernizando. Não demorou muito, até que o novo Prefeito resolveu extinguir o serviço dos bondes, substituindo-os por ônibus, também elétricos, para aproveitar a rede aérea já instalada.

A empresa alocada para a prestação do serviço dos bondes foi avisada da medida drástica e intempestiva do novo Prefeito. Eis que, numa manhã de sábado, consciente de que aquele seria o seu último dia de trabalho, por volta das 10 horas, “Salu” cumpriu a parada técnica. O sinal estava vermelho. O bonde 30 não tardaria a trafegar no sentido contrário. “Salu” parou o bonde 38, se atreveu a acenar para a jovem, que abrira aquele maravilhoso sorriso, como se estivesse retribuindo a gentileza.

O 38 foi ao Centro, cumprindo seu destino. Na viagem de volta passaria ainda mais próximo da janela da jovem sorridente. Ela já não estava mais na janela. Aliás, na viagem de volta do bonde 38, ela nunca permanecia ali, encostada e distribuindo sorrisos. Foi aquela a última viagem do bonde 38.

Demitido, “Salu” recebera proposta para continuar trabalhando na empresa. Mas precisaria mudar de cidade: Rio de Janeiro, ou Santos. Preferiu resolver a vida, e foi fazer uma visita para a senhorita da janela.

Na residência foi muito bem atendido pelos pais da jovem. Inicialmente não demonstrou que era apaixonado pela beleza jovem que enfeitava aquela janela. Mas, ousou perguntar. E perguntou.

Como resposta teve o anúncio de que a jovem havia viajado para a Alemanha, para concluir um tratamento de saúde: era autista. Aquele lindo sorriso das 10 horas, na janela, era inconsciente.

 

Moça linda na janela

 

2 – A GAIVOTA

2304 o voo internacional

 

O voo 2304 internacional da Varig, partindo do Aeroporto de Guararapes (Gilberto Freyre) com destino a Espanha, e pouso programado para o Aeroporto Adolfo Suárez (Madrid-Barajas) acontecia três vezes por semana.

Foi, provavelmente, por conta disso que o sistema de fiscalização federal brasileiro centralizou em Recife a checagem e liberação internacional das viagens. Recife era o centro de atendimento, quando se referia aos viajantes do norte e nordeste. Anos depois, Belém passou a atender esse serviço, e hoje quase todas das capitais nordestinas têm seus serviços alfandegários e federais para esse fim.

Mas, era mais ou menos assim que funcionava, quando ainda existiam as linhas aéreas da Varig e da Vasp.

A rota, quem viajava sabia, era a mesma. Durou anos assim. A Varig também tinha o hábito de manter sempre a mesma tripulação. Isso, entendiam os administradores, garantia o bom desenvolvimento do trabalho, principalmente das atendentes de bordo (Aeromoças) que também ficaram conhecidas de alguns passageiros que viajavam com mais frequência para as terras bascas.

A coisa funcionava tão bem, que, entre as atendentes, um sorriso podia significar mais que um cativante sorriso. O sorriso dizia algo.

Aquela equipe funcionava bem. Suas famílias eram amigas e quase todos se conheciam.

O comandante da aeronave, Filemon, era tão responsável, amável e competente, que jamais confiava em deixar aquele moderno e potente avião (naqueles tempos!) com o piloto automático.

Com o passar dos tempos foi descoberto que ele, Filemon, mantinha um relacionamento forte e fervoroso com a aeromoça Anna Paula, um espetáculo de mulher, poliglota e muito competente profissional nas suas tarefas de bem-atender os passageiros, e manter o respeito dos demais amigos tripulantes.

À medida que o tempo passava e as viagens aconteciam, Filemon e Anna Paula se apaixonaram perdidamente. A responsabilidade na execução diária e pública do trabalho, entretanto, não lhes permitia transgredir ou confundir as coisas.

Eis que, certo dia e num raro momento de folga entre uma viagem e outra, Anna Paula precisou sair da rotina e foi visitar um parente que se encontrava hospitalizado. Ela receava que aquele parente se encantasse num dia e momento que ela estivesse do outro lado do Atlântico.

No percurso para o hospital, um acidente automobilístico ceifou a vida da jovem senhorita. Consternação total, principalmente entre os demais componentes da equipe de trabalho.

O voo 2304 tinha viagem programada para o dia de féretro. Ninguém da tripulação pode comparecer, muito menos Filemon, a quem competia conduzir a aeronave da Varig.

O sol brilhava no céu de brigadeiro, quando a aeronave levantou voo. Os vários sorrisos dos tripulantes, percebia-se, não tinha espontaneidade. Mas existiam.

 

A gaivota em voo transatlântico

 

Quando a aeronave atingiu a altitude estabelecida pelas normas, durante cerca de 20 minutos sobre o Atlântico, incrédulo, Filemon percebeu que, cerca de 200 metros da cabine de comando, uma gaivota plainava acompanhando o avião. Ele não teve dúvidas que, debaixo daquelas penas, com os pés esticados para impelir o voo, tinha alguém que ele conhecia.


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