O BOM REITOR
Júlio Dinis
Sabem a história triste
Do bom reitor?
Mísero, toda a vida
Levou com dor.
Fez quanto bem podia, Mas… afinal
Morre, e na pobre campa
Nem um sinal.
Nem uma cruz ao menos
Se ergue no chão!
Geme-lhe só no túmulo
A viração.
Vedes, além, na relva
Junto ao rosai,
Flores que há desfolhado
O vendaval?
Cobrem-lhe a lousa humilde; A criação
Paga-lhe assim a dívida
De compaixão.
Pobres, que amava tanto, Nunca, ao passar,
Choram, curvando a fronte
Para rezar.
Nunca, ao romper do dia, O lavrador
Pára e lamenta a sorte
Do bom reitor.
As criancinhas nuas
Que estremeceu,
Já nem sequer se lembram
Do nome seu.
No salgueiral vizinho, Ao pôr do Sol,
Vai carpir-lhe saudades
O rouxinol.
Lágrimas… pobre campal
Ai, não as tem;
Só da manhã o orvalho
Rociá-la vem.
Da solitária Lua
A triste luz
Grava-lhe em vagas sombras,
Estranha cruz.
E ele repousa, dorme, Vive no Céu.
Dorme, esquecido e humilde, Como viveu.
Há nesta vida amarga
Sortes assim:
Vive-se num martírio,
Morre-se enfim.
Sem que memória fique
Para contar
Às gerações que passam,
Nosso penar.
Quem me escutar, se um dia
Ao prado for,
Ore pelo descanso
Do bom reitor.