Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis segunda, 05 de dezembro de 2022

O BOM LADRÃO NA TEOLOGIA MANSUETIANA (CONTO DE MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Nesta Semana Santa de 2021, estive lembrando de como Seu Mansueto – meu saudoso pai – apreciava debater assuntos religiosos. Como ficava feliz quando recebia em sua casa missionários cristãos, fossem eles católicos, protestantes ou testemunhas de Jeová, o que era mais comum.

A coisa se tornava ainda mais curiosa pelo fato de Seu Mansueto ler a bíblia diariamente, mas se considerar ateu. Por influência minha, às vezes admitia ser agnóstico.

– Eu acredito em uma força superior que criou tudo – dizia ele. – Criou e depois deixou aí para que cada um se vire. O resto é conversa.

– Então o senhor é agnóstico, papai. Se fosse ateu não acreditaria nem nessa força superior que teria criado o mundo.

– Meu filho, se você está me dizendo que é assim, então eu sou… Como é o nome mesmo?

– Agnóstico. Alguém que não acredita nem duvida da existência de Deus.

– Então eu sou agnóstico. Taí. A partir de agora, quando me perguntarem qual a minha religião, eu vou dizer que sou agnóstico.

Isso não facilitou a vida dos missionários que por lá apareciam. As controvérsias surgiam de várias passagens da Bíblia, deslocando-se do Livro do Gênesis para a crucificação de Cristo numa fração de segundos, como presenciei certa vez.

– Mas, Seu Mansueto, como é que Deus pode ter deixado cada um “se virar”?

– Eu acho que foi. Se Deus existe e criou o mundo, o trabalho dele acabou aí. O resto é com a gente. Cada um que se vire.

– Então, por que Ele teria enviado o próprio filho para nos salvar? – replicou o pregador.

– Você tá falando de Jesus?

– Claro! Jesus, nosso Salvador!

– Pois, se Jesus foi mesmo filho de Deus, taí uma prova de que o pai dele não tá preocupado com ninguém. Veja se tem cabimento. Deus manda o filho dele pra cá, pra ensinar as pessoas a serem boas. Aí os “manda-chuvas” da época acham que aquelas pregações são uma coisa perigosa para eles. Mandam prender, espancar e matar Jesus. Deus vê o filho sofrer toda essa covardia e deixa o rapaz morrer inocente. Que pai é esse, meu amigo?

– Mas…

– Pois, se fosse um filho meu, primeiro, eu não botava ele numa boca quente dessas. Depois, hoje mesmo, sem eu ser Deus, se eu visse esse pessoal querendo matar covardemente meu filho, eu me lascava todinho, mas não aceitava uma coisa dessas. Pode ter certeza: prum cabra crucificar um filho meu, sem ele ter feito nada de errado, tem que acabar comigo primeiro. E, se eu tivesse o poder de fazer e desfazer, como você diz que Deus tem… Aí a “peia dobrava”, meu amigo! O “pau cantava” era sem pena!

– Mas, Seu Mansueto, tinha que ser como foi mesmo. Porque foi o sofrimento de Jesus que pagou os pecados dos homens. Por isso que basta aceitar Jesus como nosso Salvador para a gente se salvar também.

– Salvar, pra você, quer dizer ir pro céu? Ficar lá, com Jesus, os anjos… é isso?

– É.

– Então, eu não preciso me preocupar. Porque, se o céu existe, eu devo ir é pra lá mesmo. Depois que eu morrer, é claro.

– Então, o senhor já aceitou Jesus?

– Olhe, eu ainda não entendi bem o que é “aceitar Jesus”, mas eu acho que Deus, pra ser Deus, tem que ser justo.

– Isso é verdade. Deus é justo.

– Então, raciocine comigo. Pelo que tá escrito na Bíblia, quem foi uma pessoa que já morreu sabendo que ia pro céu?

– Como assim?

– Assim mesmo, como eu estou dizendo. Antes do camarada morrer, Jesus garantiu vaga pra ele no céu. Você sabe a história do ladrão que foi crucificado junto com Jesus? Um que chamam de “bom ladrão”?

– Sei.

– Então. Você lembra que Jesus disse, ali mesmo, na cruz, que ele ia direto se encontrar com o Pai dele? Se Jesus é Deus, como você diz, ele não ia mentir. Então aquele ladrão foi pro céu, que é onde dizem que Deus fica. Ora, se Jesus garantiu lugar no céu para um ladrão, então, eu, que nunca roubei, mereço ir pro céu também. Aliás, eu mereço até mais do que o tal do bom ladrão. Pra lhe ser bem sincero, até hoje eu não sei por que dizem que ele era bom. Pra mim, não existe ladrão bom.

– Seu Mansueto, é porque, quando estava na cruz, ele se arrependeu! Arrependeu-se de verdade, com sinceridade. Deus sabe se o arrependimento é sincero…

– Ah, mas aí é uma beleza! O cidadão faz as estrepolias que bem entende, e depois, quando está à beira da morte, crucificado, se arrepende! Arrependimento, depois de condenado? Pra mim não serve. Quem tiver que se arrepender, que se arrependa antes de ser descoberto. E, ainda assim, se quem roubou e se arrependeu merece ir pro céu, quem nem chegou a roubar merece muito mais. Por isso é que eu digo que, se houver céu, Deus pode até não me deixar entrar, mas ele vai saber a injustiça que está cometendo.

– Mas, Seu Mansueto, são os mistérios de Deus…

– Rapaz, não venha com essa história de mistério, não… Você não é o missionário? Então o seu serviço é me explicar as coisas que eu não entendo, pra eu me convencer a entrar pra sua religião…

– Eu sei, Seu Mansueto, mas veja bem…

E a conversa prosseguia em divergências sem fim, até o missionário se cansar e ir embora, geralmente com a promessa de voltar outro dia, acompanhado de outro mais experiente.

Enquanto Seu Mansueto viveu, muitos foram os religiosos surpreendidos com os argumentos de um homem de raciocínio extremamente lógico, que, apesar de duvidar da existência de Deus, conhecia os textos bíblicos como pouca gente.

Há outra coisa que é justo reconhecer: Seu Mansueto era absolutamente autêntico no que dizia. Defendia seus pontos de vista de sua teologia com uma honestidade intelectual que deixava transparecer facilmente o respeito que tinha por essas questões.

Se há mesmo uma vida após a morte – e acredito que há – Seu Mansueto hoje em dia deve travar uns bons debates por lá.


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