O BODEGUEIRO MARIANO
Zelito Nunes
Monteiro ficou mais pobre no dia 24 de janeiro de 2011, com a morte, do bodegueiro Mariano Bezerra da Silva, último irmão vivo de Pinto do Monteiro.
Mariano morreu aos 96 anos, vividos com muita dignidade, trabalho e honradez.
Assim falei dele no livro PINTO VELHO DO MONTEIRO, UM CANTADOR SEM PARELHA, que teve a sua primeira edição no ano de 2002:
Severino Lourenço da Silva Pinto foi o mais velho de uma família de oito filhos, cujos destaques foram ele e o irmão Heleno, também um grande e respeitado cantador, restando ainda vivos Filomena, com 94 anos, e Mariano, com 92.
Mariano Bezerra da Silva ou “Seu Mariano da Bodega” é estabelecido com uma mercearia em Monteiro há exatos sessenta anos. Aos 92 anos, é um ativo comerciante, estando, ainda, à frente do negócio que ajudou a criar e formar os seus filhos.
Seu Mariano, um homem trabalhador, digno e generoso, sempre dispensou a Pinto um cuidado especial, apesar de mais novo 19 anos. Sempre o ajudou e, ainda, fala dele de maneira fraterna e carinhosa.
Pouco antes e após a morte do poeta, alguns jornais do Recife publicaram matérias dando conta de que Pinto estivera vivendo e morrera na miséria e abandonado numa casa em Monteiro. O que aqui, a bem da verdade, provoca uma pronta correção. Quem o conheceu de perto, e com ele conviveu, tem conhecimento de que Pinto, embora tenha tido – em função do seu extraordinário talento – condições de amealhar bens, nunca o fez. Sempre repartia tudo com todos, conhecidos ou não. “Não deixou bens a inventariar”, assim consta no seu atestado de óbito.
Quando em Sertânia, já praticamente cego e imobilizado em decorrência de uma fratura na perna esquerda (seqüela de uma “traquinagem”, assim, por ele – a mim – descrita: “Foi no ano de 1930, na rua Duque de Caxias no Recife, eu estava num 1º andar do “Cabaré das Polacas”, houve um incêndio e eu pulei do alto e quebrei a perna!…”), mais uma vez foi acolhido pelo irmão que, pacientemente, cuidou dele, não deixando que lhe faltasse o essencial, até o fim.
A casa em que foi abrigado era simples e humilde, mas não lhe faltaram os cuidados da diligente Lenice, que cuidava da limpeza e preparava o pouquíssimo alimento que consumia, e do cabo Edésio, o eterno companheiro dos fins de tarde e quem lhe assistiu os últimos suspiros, com quem traçava glosas e outras conversas de “poeta para poeta”.
Ao longo da convivência com Mariano, não foram poucas as bodegas que este abriu e entregou ao irmão-poeta que, por viver sempre na estrada e ser um desastrado para negócios, iam sempre à falência.
Na maioria das vezes, Pinto, então, distribuía a “massa falida” com quem estivesse por perto, fosse conhecido ou não.
Mariano conta que, numa dessas ocasiões, ainda resgatou a balança que ia debaixo do braço de um camarada que a tinha recebido de Pinto como presente. Em sua alma de poeta, decididamente não havia espaço para negócios ou lucros.
Cantando com João Furiba, depois de mais uma falência, começou a se queixar da falta de sorte no ramo de bodegas, findou uma lamentosa sextilha:
Do jeito que as coisas vão
Com essa falta de sorte
É melhor a gente ir
Pro Rio Grande do Norte.
Furiba:
Se você quiser ter sorte
Na sua mercearia
Coloque uma etiqueta
Em cada mercadoria
Se nela tiver meu nome
Vai conquistar freguesia.
Pinto:
Triste da mercadoria
Que nela tiver teu nome
Pode vir um guabiru
Com quinze dias de fome
Mija o pão, caga no queijo
Passa por cima e não come.