Uma boa “bicada” de Sapupara
Imagine-se sentado numa cadeira da primeira fila de um teatro. Concentre-se, e preste atenção ao “pano” (cortina) que se abre, e ao movimento de tudo e de todos. Ainda que não tenha sido dado o comando de: “ação”.
Com certeza serão poucos da geração da faixa etária abaixo dos 50, que viveram essa “peça teatral”:
– Manel, bota uma dose daquela que matou o Guarda!
O dono da bodega se agacha por detrás do balcão, e, de dentro de uma bacia com água, que às vezes nem é trocada no final de cada dia, e dali tira um copo. Se for aquele copo de cachaceiro, o bebedor toma o trago, paga (com uma moeda de R$1), acende o cigarro e vai embora. E o copo, sem a assepsia recomendada, volta para dentro da bacia.
Mas, se a pedida for essa:
– Manel, desce uma quartota da Chave de Ouro, ou da Sapupara, ou da Colonial!
Com certeza o copo será outro, o balcão será limpo, e um bom espaço preparado. O bebedor vai pegar o tamborete para sentar ao lado do balcão.
– Manel, ainda tem daquela sardinha Gomes da Costa ou Coqueiro? Se tiver, abre uma pra mim e me dá duas cebolas roxas!
O atendimento é de primeira, mas não é exclusivo, pois bodega que se preza não pode viver apenas de vender cachaça para pinguços. Tem a outra freguesia para atender – e o bodegueiro precisa ter tempo para anotar no caderno de fiados. E, qual o bodegueiro que não vende fiado, ainda que, acintosamente, coloque na prateleira uma placa:
“Fiado, só quando o Nove Dedos confessar que roubou”!
A lata da sardinha foi aberta, a cebola roxa devidamente picada e é aberto um espaço que caiba duas folhas de papel de embrulho. Ali é colocada uma generosa porção de farinha seca, e acrescentadas a sardinha e a cebola roxa. Está feito o melhor tira-gosto do mundo para quem bebe cachaça.
Chega mais um pinguço. Chega mais outro, e, em minutos está formado um time de Futsal na bodega do Manel, na Bela Vista.
Mas, o mais mió disso tudo aí, é um caixote de madeira com areia fina que Manel bota no pé do balcão prumode a gente dar aquela cusparada depois do trago e prumode derramar a dosinha do “santo”.
Sardinha em conserva – metade do melhor tira-gosto de cachaceiro
O bode e a fava
Colchão de bode francês assado e servido com batatas douradas
Não é em todo restaurante que podemos encontrar determinados pratos (típicos da região ou não) e, às vezes, quando encontramos, são preparados de formas diferentes. No Maranhão, “mocotó” de boi está muito próximo da “panelada” do Ceará. A diferença: no Ceará, a “panelada” tem o bofe. No Maranhão não comem o bofe.
No Rio de Janeiro, o “mocotó” é a unha (canela com pé e unha) tem o acondicionamento do feijão branco e recebe linguiça, paio e bacon. Já a “dobradinha” é o feijão branco ou carioquinha com o “bucho”, calabresa e bacon. Em todos os casos, a diferença está na forma de fazer e de servir.
Da mesma forma, para muitos brasileiros, caranguejo e siri, são caranguejo. No Norte e no Nordeste, caranguejo é um e siri é outro. Tanto o caranguejo quanto o siri, em nenhum Estado brasileiro são melhor preparados que no Ceará, Maranhão e Bahia. A moqueca de siri mole da Bahia é algo top.
E o bode?
Existe mais de uma raça de bode. O bode literalmente brasileiro é fartura no Piauí. Por conta disso, o povo piauiense é especialista na criação, no trato e no aproveitamento do bode. O queijo de leite caprino feito no Piauí jamais vai encontrar parelha. A carne de sol e a linguiça de carne de bode preparadas em Campo Maior/PI, também não encontram parelha. A forma de preparar o sarapatel e a buchada de bode também merece elogios.
Agora, bode de outra raça – o francês, por exemplo – que o Luiz Berto serve quando se prepara para receber o Lula, o Zé Dirceu ou a Dilma, a gente só encontra igual na feira de Casa Amarela, onde também servem a melhor fava rajada do mundo, temperada com sal, pimenta do reino, charque, pé de porco e uma dose de Sanhaçu.
Fava rajada servida num certo apartamento do Apipucos
Descobri em São Luís aonde posso comprar o grão de bico. Tenho preparado com o pé de boi, levando ainda rabo e orelha suínos. É um prato para quem come e vai “descansar”, embalando numa boa e macia rede. Não é comida para quem volta ao trabalho num segundo expediente.