O balanço que nos revelou o amor
Viajamos quase 24 horas. A estrada, felizmente, era boa. Comemos boa comida, bebemos boa água e sempre fomos bem atendidos. Gente educada, que acabou me cativando – prometi que voltaria.
Chegamos na capital e fomos para uma pousada. Descansamos e resolvemos sair para olhar o mar. Olhar o mar e respirar a cheiro diferente da maresia. Aquele cheiro que a gente sente ser real e ao mesmo tempo imaterial.
Almoçamos e logo depois pegamos a estrada – também uma boa estrada. Muitas novidades e coisas que nem sabíamos que existia. Afinal, são mais de 60 anos ausentes. Aliás, eu, ausente. Para a companhia tudo era novo.
Chegamos nas Queimadas e tudo me pareceu sem mudança alguma. Apenas o tempo parecia ter passado e mudado. Fomos recebidos por parentes que ainda vivem lá.
Apresentações feitas, me afastei um pouco do grupo – que estava se preparando para o café vespertino. Andei. Andei e andei mais ainda. Tive receio de me perder ou encontrar alguém que não me conhecesse e viesse me reprimir.
Um pouco mais afastado reconheci uma árvore que nos era familiar. Era tão familiar que parecia parte de nós – de mim e de ti. Era o nosso ingazeiro, ali mesmo aonde armávamos nosso balanço e aonde trocamos nossos primeiros beijos. No balanço viçoso do viçoso ingazeiro – enquanto nós, em pleno viço da juventude, trocávamos apenas ingênuos beijos.
Inacreditavelmente, o balanço continuava lá. Sozinho. Parecia esperar por nós. O ingazeiro, mais forte, mais envelhecido e com uma copa maior e por isso mais sombria.
Sentei no balanço e confesso, senti uma saudade enorme de ti – da tua infância, da tua beleza, da tua pureza e principalmente do que trocávamos todas as tardes.
Saudades do balanço. Do nosso balanço e do ingazeiro.
* * *
O traque da minha infância
Os traques – nossos chips da alegria
Lembro bem. Eu corria para a porta. Para a meia porta que estava fechada. Meu pai acabava de chegar com ares de cansaço – tinha o hábito de andar a pé. Caminhava a pé, todas as manhãs, a caminho do trabalho. Voltava para casa de ônibus – apenas para, sentado, ler os jornais.
Chegava em casa e tirava de um dos bolsos das calças, uma caixinha de traques. Ele sabia que aquilo faria minha alegria e eu ficava feliz em ver a alegria que ele sentia em me fazer feliz.
Uma caixinha de traques – e eu sabia dentro de casa soltando os traques e espantando o gato que aboletou-se definitivamente da nossa casa. Fruto do bom tratamento que recebia.
Eu estourava um. Estourava dois, três, quatro cinco. Estourava quase todos, rindo e pulando de alegria – sem saber bem o por que. Afinal, um traque era apenas um traque. Mas, um traque é apenas um traque, para um adulto. Para uma criança, um traque é muito mais que apenas um traque.
Eu tinha o hábito de guardar dois traques. Um para estourar depois do jantar e outro para estourar antes de deitar para dormir. Antes da oração noturna – naquele tempo que já vai longe, algo sagrado que as mães impunham aos filhos.
– Mãe, antes da reza, posso soltar meu traque?
– Pode. Vá soltar o traque. Mas não demore!
Era como uma alforria para a vida e um reconhecimento do direito à liberdade. Eu estourava, finalmente, o último traque e voltava para a oração.
– “Pai nosso, que estás nos céus…….”
Nunca consigo me lembrar de ter algum dia terminado a oração. Adormecia antes. E sonhava com mais uma caixa de traques no início da noite do dia seguinte.