O 15 E O 17
(IMPRESSÃO DA LEITURA DE UM CONTO FRANCÊS)
Arthur Azevedo
– Com efeito, Francelina! Que tempo levaste para ires ali à venda! Querias lá ficar?
– Não, senhora; é porque estas casas novas parecem-se todas umas com as outras, e por isso, em vez de entrar no 15, entrei no 17. Varei por ali adentro até a cozinha!
– Que estás dizendo?
– A verdade, patroa. De agora em diante, não entro em casa sem olhar para o número da porta!
– Depois te habituarás. Isso aconteceu porque estás na casa há oito dias apenas. Bom. Compraste o que tinhas de comprar?
– Sim, senhora.
– Não falta mais nada?
– Não, senhora.
– Então, até logo. Fecha a porta da rua e trata de preparar o jantar. As cinco horas, estarei de volta.
E D. Isabel, que já estava pronta para sair, passou para o corredor, desceu a escada e desapareceu.
A Francelina fechou a porta da rua, conforme a patroa lhe recomendara, e foi para a cozinha.
Não havia passado meia hora, quando a mulata (a Francelina era mulata) ouviu bater levemente à porta da rua. Correu à janela da sala de visitas para ver quem era, e deu com uma senhora idosa, bastante idosa, pequenina, curvada, esperando que lhe abrissem a porta.
A criada não a conhecia, mas pensou consigo que não haveria inconveniente em abrir a porta a uma velha, e por isso fê-la entrar.
– Ora, graças! Julguei que me deixassem ao sol durante uma hora! Dá cá a mão, rapariga! Ajuda-me a subir a escada! Bem sabes que já não tenho olhos!
– Que deseja a senhora? – Perguntou Francelina, quando chegaram à sala de visitas.
– Escusas de falar baixo! Bem sabes que já não tenho também ouvidos! Nem olhos, nem ouvidos, nem pernas! E por isso leva-me à cadeira de balanço. Onde está ela?... Já mudou de lugar! Que mania a de minha sobrinha! Está sempre com os móveis daqui para ali.
A Francelina levou a velhota para a cadeira de balanço, onde a instalou comodamente.
– Ora, espera! Parece-me que eu não a conheço! Você é nova na casa?
– Sim, senhora! Estou aqui há oito dias.
– Grite!
– Estou aqui há oito dias.
– Grite mais alto!
– Estou aqui há oito dias,
– Há oito dias? Então não me conhece, porque há um mês que eu cá não venho. Sou tia da sua patroa. Onde está ela?
– Saiu.
– Hem?
– Saiu.
– Mais alto!
– Saiu.
– Saiu? Também aquilo não faz senão saracotear! Então agora que veio morar na cidade! Olha, ó... como te chamas?
– Francelina.
– Hem?
– Francelina.
– Olha, Marcelina, vai buscar uma xícara de café bem quente, com uma gotinha de conhaque, mas, antes disso, descalça-me estas botinas, e traze-me os chinelos da sua patroa, e também um dos travesseiros da cama. Enquanto ela não vem, vou passar pelo sono.
A Francelina fez tudo quanto ordenou a velha, e deixou-a adormecida na sala, com os pés e a cabeça metidos nos chinelos e no travesseiro de D. Isabel.
Quando esta chegou da rua, às cinco horas da tarde, a criada disse-lhe:
– A tia da patroa está dormindo lá na sala.
– A minha tia? Mas eu não tenho tia!
– Como não tem tia?
E a Francelina contou-lhe tudo quanto se passara.
–Ora essa! – Exclamou D. Isabel, e correu para a sala, acompanhada pela criada.
A velha dormia profundamente.
– Mas eu não conheço, não sei quem é esta senhora! Que quer isto dizer?... Que mistério será este?... Vou acordá-la.
E D. Isabel começou a sacudir a velha, que não acordava.
A Francelina teve uma frase estúpida:
– Sacuda com força, patroa, porque ela é surda!
– Meu Deus! Esta rigidez!... Esta rigidez!...
E a dona da casa soltou um grito estridente.
– Que é, patroa?
– Esta velha está morta!
– Morta?!
Efetivamente, a pobre velhinha, durante o sono, sem se sentir, passara desta para melhor.
Imagine-se a aflição das duas mulheres diante daquele cadáver misterioso; mas D. Isabel, que era inteligente, pensou:
– Quem sabe se a velha não entrou no 15 pensando que era o 17?
E, pelo muro do terraço, chamou a vizinha:
– Ó vizinha? Vizinha?...
– Que é?
– A senhora não tem uma tia velha, surda e catacega?
– Tenho, sim, senhora.
– Pois mande buscá-la, porque ela está na minha casa. Entrou aqui por engano.
– Ela que venha; não é preciso mandar buscá-la.
– Isso é, porque está... doente... Adoeceu aqui...
Meia hora depois a pobre velha era removida.... para o Necrotério.