Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poemas e Poesias sábado, 18 de dezembro de 2021

NOTÍCIA DA MORTE DE ALBERTO SILVA (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

NOTÍCIA DA MORTE DE ALBERTO SILVA

Ferreira Gullar

 

 

 

Eis aqui o morto
chegado a bom porto

Eis aqui o morto
como um rei deposto

Eis aqui o morto
com seu terno curto

Eis aqui o morto
com seu corpo duro

Eis aqui o morto
enfim no seguro

II

De barba feita, cabelo penteado
jamais esteve tão bem arrumado

De camisa nova, gravata borboleta
parece até que vai para uma festa

No rosto calmo, um leve sorriso
nem parece aquele mais-morto-que-vivo

Imóvel e rijo assim como o vês
parece que nunca esteve tão feliz

III

Morava no Méier desde menino
Seu grande sonho era tocar violino

Fez o curso primário numa escola pública
quanto ao secundário resta muita dúvida

Aos treze anos já estava empregado
num escritório da rua do Senado

Quando o pai morreu criou os irmãos
Sempre foi um homem de bom coração

Começou contínuo e acabou funcionário
Sempre eficiente e cumpridor do horário

Gostou de Nezinha, de cabelos longos,
que um dia sumiu com um tal de Raimundo

Gostou de Esmeralda uma de olhos pretos
Ela nunca soube desse amor secreto

Endoidou de fato por Laura Marlene
que dormiu com todos menos com ele

Casou com Luísa, que morava longe,
não tinha olhos pretos nem cabelos longos

Apesar de tudo, foi bom pai de família
sua casa tinha uma boa mobília

Conversava pouco mas foi bom marido
Comprou televisão e um rádio transístor

Não foi carinhoso com a mulher e a filha
mas deixou para elas um seguro de vida

Morreu de repente ao chegar em casa
ainda com o terno puído que usava

Não saiu notícia em jornal algum
Foi apenas a morte de um homem comum

E porque ninguém noticiou o fato
Fazemos aqui este breve relato

IV

Não foi nada de mais, claro, o que aconteceu:
apenas um homem, igual aos outros, que morreu

Que nos importa agora se quando menino
O seu grande sonho foi tocar violino?

Que nos importa agora quando o vamos enterrar
se ele não teve sequer tempo de namorar?

Que nos importa agora quando tudo está findo
se um dia ele achou que o mar estava lindo?

Que nos importa agora se algum dia ele quis
Conhecer Nova York, Londres ou Paris?

Que nos importa agora se na mente confusa
ele às vezes pensava que a vida era injusta?

Agora está completo, já nada lhe falta:
nem Paris nem Londres nem os olhos de Esmeralda

V

Mas é preciso dizer que ele foi como um fio
d’água que não chegou a ser rio

Refletiu no seu curso o laranjal dourado
sem que nada desse ouro lhe fosse dado

Refletiu na sua pele o céu azul de outubro
e as esplendentes ruínas do crepúsculo

E agora, quando se vai perder no mar imenso,
tudo isso, nele, virou rigidez e silêncio:

toda palavra dita, toda palavra ouvida
todo riso adiado ou esperança escondida

toda fúria guardada, todo gesto detido
o orgulho humilhado, o carinho contido

o violino sonhado, as nuvens, a espuma
das nebulosas, a bomba nuclear
agora nele são coisa alguma

VI

Mas no fim do relato é preciso dizer
que esse morto não teve tempo de viver

Na verdade vendeu-se, não como Fausto, ao Cão:
vendeu sua vida aos seus irmãos

Na verdade vendeu-a, não como Fausto, a prazo:
vendeu-a à vista, ou melhor, deu-a adiantado

Na verdade vendeu-a, não como Fausto, caro:
vendeu-a barato e, mais, não lhe pagaram

VII

Enfim este é o morto
agora homem completo:
só carne e esqueleto

Enfim este é o morto
totalmente presente:
unha, cabelo, dente

Enfim este é o morto:
um anônimo brasileiro
do Rio de Janeiro
de quem nesta oportunidade
damos notícia à cidade.


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