Semana passada fui ao centro do Recife matar as saudades de um recanto muito querido.
Estou falando da Praça do Sebo, no Bairro de Santo Antonio, ao lado da Avenida Guararapes.
Um local que tem muito a ver com meus tempos de jovem boêmio e farrista nesta amada cidade.
A praça é um quadrado interessante e muito peculiar, um espaço bem delimitado.
Três destes lados são compostos por estabelecimentos que vendem livros usados, os tradicionais sebos.
E o último lado é composto apenas por bares.
Livros ainda posso ler, mas bares eu só frequento pra conversar potoca e matar saudades: nada de tomar lapadas ou cervejas.
Tirei um retrato ao lado do saudoso poeta pernambucano Mauro Mota, grande figura da literatura aqui da terrinha e que foi membro da Academia Brasileira de Letras.
A estátua de Mauro, localizada na Praça do Sebo, é um das várias existentes em diversos pontos do centro desta cidade, todas de poetas pernambucanos.
Como esta de Manuel Bandeira às margens do Rio Capibaribe, na foto abaixo:
Mauro Mota é autor de um poema que fala dos tempos da II Guerra Mundial, quando soldados americanos estavam aqui baseados.
E quando aconteceram muitos e muitos namoros e casos dos fardados ianques com as mulheres e moças daqui do Recife.
O poema está transcrito a seguir.
* * *
BOLETIM SENTIMENTAL DA GUERRA NO RECIFE – Mauro Mota
Meninas, tristes meninas,
de mão em mão hoje andais.
Sois autênticas heroínas
da guerra, sem ter rivais.
Lutastes na frente interna
com bravura e destemor.
À vitória aliada destes
o sangue do vosso amor.
Por recônditas feridas,
não ganhastes as medalhas,
terminadas as batalhas
de glórias incompreendidas.
Éreis tão boas pequenas.
Éreis pequenas tão boas!
De várias nuanças morenas,
ó filhas de Pernambuco,
da Paraíba e Alagoas.
Tínheis de quinze a vinte anos,
tipos de colegiais,
diante dos americanos,
dos garbosos oficiais,
do segundo time vasto
dos fuzileiros navais
prontos a entregar a vida
para conseguir a paz,
varrer da face do mundo
regimes ditatoriais
e democratizar todas
as terras continentais
a começar pelo sexo
das meninas nacionais.
Iniciou-se então a fase
de convocação e treino
todos os dias na Base.
Ah! com que pressa aprendíeis,
só pela conversa quase!
Dentro de menos de um mês
sabíeis falar inglês.
E os presentes? Os presentes
eram vossa tentação.
Coisas que causavam aqui
inveja e admiração:
bolsas plásticas, a blusa
de alvas rendas do Havaí,
bicicletas “made in USA”,
verdes óculos “Ray Ban”.
Era um presente de noite
e outro dado de manhã,
verdadeiras maravilhas
da indústria de Tio Sam.
E as promessas? As promessas
eram vossa sedução.
acreditáveis que elas
não eram mentira, não.
Um “Frazer” no aniversário,
passeios de “Constellation”,
num pulo alcançar Miami,
almoçar na Casa Branca,
descer a Quinta Avenida,
fazer “piquet” pela Broadway
ver a “première” no Cine
junto dos artistas, com
eles todos na platéia.
Ouvir na “Opera House”,
numa noite Toscanini,
na outra noite Lili Pons.
Com tanto “it” e juventude
podíeis testes ganhar,
ser estrelas de Hollywood,
ciúmes de Hedy Lamarr.
Ah! bom tempo em que corríeis,
“pés descalços, braços nus,
atrás das asas ligeiras
das borboletas azuis”.
Ó prematuras mulheres,
fostes, na velocidade
dos “jeeps”, às “garconières”
da Praia da Piedade.
Quase que se rebentavam
vossos úteros infantis
quando veio o telegrama
da tomada de Paris.
Ingênuas meninas grávidas,
o que é que fostes fazer?
Apertai bem os vestidos
pra família não saber.
Que os indiscretos vizinhos
vos percam também de vista.
Saístes do pediatra
para o ginecologista.
“Babies” saxonizados,
que só mamam vitaminas,
são vossos “babies”, meninas,
em vários cantos gerados,
mas “mapples” dos automóveis,
no interior das cantinas,
da praia na branca areia,
em noites sem lua cheia.
Meninas, tristes meninas,
vossos dramas recordai,
quando eles no armistício,
vos disseram “Good bye”.
Ouvireis a vida toda
a ressonância do choro
dos vossos filhos sem pai.