NO ALTAR DA PÁTRIA
Júlio Dinis
1
Tinge do oriente as serras
O matutino alvor;
E do clarim das guerras
Se ouve o mortal clangor.
— «Ai, grata paz dos lares, Adeus, força é partir.
Ó sombra dos pomares! Ó rosas a florir!
«As hostes reunidas Chamam-me a combater, Ai, longas avenidas, Tornar-vos-ei
a ver ?
«Adeus, loucos amores! Adeus, beijos febris, Adeus, mudos verdores,
Que em sombras os encobris.»
— «Ô mãe, dá-me uma espada
Oiço da Pátria a voz!»
— «Ei-la. É imaculada, Era a de teus avós!»
— «Pura a trarei, voltando… Se não morrer ali.»
— «Vai! disse a mãe, chorando, Eu rezarei por ti.»
— «Filho, meu filho, espera! Não me ouve já. Partiu!»
E o ardor que a sustivera
De todo se extinguiu.
No campo já se escuta Das alas o marchar. Que agigantada luta Além
se vai travar?
Dá-se o sinal! Furiosas Partem as legiões; Encontram-se raivosas
Bramem como os leões.
Ai, que tinir de espadas! Que estrépito fatal!
Que vozes angustiadas
Se escutam no arraial!
O sangue rutilante Inunda e tinge o chão; Aos ais do agonizante
Responde a imprecação.
Em pé, os combatentes, Perdidos os corcéis, Cingem-se quais
serpentes Em pérfidos anéis.
A luta é braço a braço, A golpes de punhais;
Se caem de cansaço, Não se levantam mais.
A luta é peito a peito, Terrível e cruel!
Às cãs não há respeito, À dor não
há quartel
Findou! Tranqüilo é tudo… Já tudo emudeceu.
O campo é triste e mudo; É triste e escuro o céu!
A custa de mil vidas Salvou-se a Pátria enfim! Mas porque são
sentidas As vozes do clarim?
As hostes vitoriosas Porque tão tristes vêm? Ai, que ânsias
dolorosas Sentia a pobre mãe!
Passa a primeira fila… Mísera, que o não vês!… Outra,
outra mais. Vacila… Cresce-lhe a palidez!
Olha-as uma por uma, E a última passou;
E delas em nenhuma
Inquieta o filho achou!
E o céu mais se escurece ; O campo é envolto em pó
; E a triste permanece Absorta, muda e só I
Que solidão de morte! Que erma a planície jaz! Dorme no campo
o forte, Sono de glória e paz.
Dorme a valente raça
De intrépidos heróis!
Cegos, ao sol que passa
Saúdam novos sóis.
Que sepulcral figura
Se adianta além subtil;
Tão cheio de amargura
O gesto e o olhar febril!
À ensangüentada arena Os passos seus conduz; Raiou sobre esta
cena Da Lua a tarda luz.
Súbito em desvario
Solta um sentido ai,
Junto a um cadáver frio
Desfeita em pranto cai
«És tu! és tu? ai, filho! Ai, como te encontrei!
Como estão já sem brilho
Os olhos que eu beijei!
«Vai, sombra idolatrada, À tua Pátria, aos Céus!»
Cinge-lhe ao peito a espada; Morre ao dizer-lhe: < Adeus!»