Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Literatura - Contos e Crônicas quarta, 17 de fevereiro de 2021

NINHO DO CURIÓ (CONTO DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

NINHO DO CURIÓ

Humberto de Campos

(Grafia original)

 

Rosto em brasa, olhos vivos, cabelos alvoroçados, atravessava o Luizinho a praça do povoado, denunciando no desalinho das roupas, no fogo das faces, no susto das maneiras, a sua última travessura, quando, ao passar pela frente da igreja, foi detido suavemente, brandamente, pela bondade do padre Guilherme.

 

— Venha cá, ó Luizinho!

 

O garoto tremeu, desconcertado, e o vigário, homem de uns quarenta anos, insistiu:

 

— Venha cá!

 

Luizinho chegou-se, respeitoso, de olhos no chão e chapéu entre os dedos, e o sacerdote indagou:

 

— Então, por onde andou você, hoje?

 

— Eu?

 

— Sim, você.

 

O pequeno corou, envergonhado, e o padre, excelente pastor, pegou-lhe da mão, puxando-o para dentro da igreja.

 

— Venha cá; venha se confessar.

 

Um minuto depois estava o Luizinho, com os olhos muito espantados, ajoelhado no confessionário, a contar ao padre Guilherme o seu grande pecado do dia.

 

— Eu estive hoje na mata do outro lado do rio, tirando uns ninhos de curió... confessava o garoto.

 

— Ninho de curió? — estranhou o confessor, franzindo a testa. — Você não sabe, então, que é pecado tirar os ninhos das avezitas, roubando os pobres passarinhos ao conchego de seus pais?

 

Luizinho mantinha-se cabisbaixo, vermelho de arrependimento e de vergonha, e não respondeu. O vigário insistiu, porém:

 

— E onde foi que você achou esses ninhos de curió?

 

— Na ingazeira, junto do morro.

 

— E havia muitos?

 

— Havia, sim, senhor.

 

— Pois, não tire mais, não. É pecado, e pecado mortal!

 

Na manhã seguinte, após uma noite de apreensões aflitivas, ia o garoto procurar urnas vacas na outra margem do rio, quando viu, ao longe, o vulto de padre Guilherme, que se aproximava, cauteloso, da ingazeira de que lhe falara na véspera. Luizinho escondeu-se, de um salto, em uma das moitas das proximidades, e observou tudo. Padre Guilherme chegou, com o breviário nas mãos e nariz no ar, examinou, sondou, olhou para um lado, olhou para outro, e, como não visse ninguém, descansou o livro na raiz da árvore, endireitou os óculos e subiu. Momentos depois, assinalados pelo piar dos passaritos implumes e pelo voo das aves aninhadas, o servo de Deus descia da ingazeira, sustentando nas mãos os bolsos da batina, repletos de curiós.

 

Luizinho viu tudo isso, da sua moita, e não disse nada. Padre Guilherme apanhou o seu breviário e foi-se embora para a aldeia. Ele tomou, também, o seu varapau, e lá se pelo mundo ganhar a vida, até que, anos depois, homem feito, voltou, de novo, à terra do seu nascimento.

 

Forte, moço, querido das moças, ia, uma tarde, o Luiz pela praça da matriz, quando o detiveram pelo braço:

 

— Olá, Luiz, como vai?

 

— Oh! o Sr. padre Guilherme! — sorriu o rapagão, feliz.

 

E travou-se a palestra

 

— Então, veio à terra para casar, não?

 

— É verdade, sim, senhor.

 

O padre deu-lhe parabéns, mas, não satisfeito, insistiu:

 

— E a noiva?... Afinal, quem é a noiva?

 

Luiz encarou, firme, o reverendo, e trovejou:

 

— A noiva? Eu sou tolo, então, para lhe dizer quem é?

 

E, dando-lhe as costas, indignado:

 

— Pensa, então, que isto é ninho de curió?...

 

E afastou-se, resmungando.

 


Escreva seu comentário

Busca


Leitores on-line

Carregando

Arquivos


Colunistas e assuntos


Parceiros