NINHO DO CURIÓ
Humberto de Campos
(Grafia original)
Rosto em brasa, olhos vivos, cabelos alvoroçados, atravessava o Luizinho a praça do povoado, denunciando no desalinho das roupas, no fogo das faces, no susto das maneiras, a sua última travessura, quando, ao passar pela frente da igreja, foi detido suavemente, brandamente, pela bondade do padre Guilherme.
— Venha cá, ó Luizinho!
O garoto tremeu, desconcertado, e o vigário, homem de uns quarenta anos, insistiu:
— Venha cá!
Luizinho chegou-se, respeitoso, de olhos no chão e chapéu entre os dedos, e o sacerdote indagou:
— Então, por onde andou você, hoje?
— Eu?
— Sim, você.
O pequeno corou, envergonhado, e o padre, excelente pastor, pegou-lhe da mão, puxando-o para dentro da igreja.
— Venha cá; venha se confessar.
Um minuto depois estava o Luizinho, com os olhos muito espantados, ajoelhado no confessionário, a contar ao padre Guilherme o seu grande pecado do dia.
— Eu estive hoje na mata do outro lado do rio, tirando uns ninhos de curió... confessava o garoto.
— Ninho de curió? — estranhou o confessor, franzindo a testa. — Você não sabe, então, que é pecado tirar os ninhos das avezitas, roubando os pobres passarinhos ao conchego de seus pais?
Luizinho mantinha-se cabisbaixo, vermelho de arrependimento e de vergonha, e não respondeu. O vigário insistiu, porém:
— E onde foi que você achou esses ninhos de curió?
— Na ingazeira, junto do morro.
— E havia muitos?
— Havia, sim, senhor.
— Pois, não tire mais, não. É pecado, e pecado mortal!
Na manhã seguinte, após uma noite de apreensões aflitivas, ia o garoto procurar urnas vacas na outra margem do rio, quando viu, ao longe, o vulto de padre Guilherme, que se aproximava, cauteloso, da ingazeira de que lhe falara na véspera. Luizinho escondeu-se, de um salto, em uma das moitas das proximidades, e observou tudo. Padre Guilherme chegou, com o breviário nas mãos e nariz no ar, examinou, sondou, olhou para um lado, olhou para outro, e, como não visse ninguém, descansou o livro na raiz da árvore, endireitou os óculos e subiu. Momentos depois, assinalados pelo piar dos passaritos implumes e pelo voo das aves aninhadas, o servo de Deus descia da ingazeira, sustentando nas mãos os bolsos da batina, repletos de curiós.
Luizinho viu tudo isso, da sua moita, e não disse nada. Padre Guilherme apanhou o seu breviário e foi-se embora para a aldeia. Ele tomou, também, o seu varapau, e lá se pelo mundo ganhar a vida, até que, anos depois, homem feito, voltou, de novo, à terra do seu nascimento.
Forte, moço, querido das moças, ia, uma tarde, o Luiz pela praça da matriz, quando o detiveram pelo braço:
— Olá, Luiz, como vai?
— Oh! o Sr. padre Guilherme! — sorriu o rapagão, feliz.
E travou-se a palestra
— Então, veio à terra para casar, não?
— É verdade, sim, senhor.
O padre deu-lhe parabéns, mas, não satisfeito, insistiu:
— E a noiva?... Afinal, quem é a noiva?
Luiz encarou, firme, o reverendo, e trovejou:
— A noiva? Eu sou tolo, então, para lhe dizer quem é?
E, dando-lhe as costas, indignado:
— Pensa, então, que isto é ninho de curió?...
E afastou-se, resmungando.