Raimundo Floriano
Minha estante de cedês é um baú de preciosidades musicais, tesouro que contém as criações de grandes artistas da MPB, músicos, compositores e intérpretes. Essa riqueza está, aos poucos, caindo no esquecimento das novas gerações brasileiras, e chegará um dia que em nela não mais se falará.
Com exceção da Música Militar, que diariamente é executada nos quartéis, do Frevo, ainda animando o Carnaval Brasileiro, e o Forró, a cada dia revelando novos talentos, há quase 30 anos nada acontece digno de nota em nosso cenário musical.
Dentro de duas gerações futuras, com o desaparecimento dos saudosistas atuais e com a extinção do livro impresso, nada restará para relembrar os grandes artistas que construíram nossa história.
Não estou aqui para elogiar o norte-americano não. Mas, nos Estados Unidos, preserva-se a MPB muito mais do que aqui. A última vez em que estive em Orlando Downtown, isso em 2001, fui levado a uma grande discoteca, a Virgin, onde encontrei vários cedês gravados por brasileiros, itens que aqui no Brasil eu já não conseguia adquirir. A peso de ouro, claro, mas consegui. Não só de meus patrícios, mas de muitos outros latino-americanos de minha curtição.
Trago-lhes como triste exemplo o conjunto Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano que, nos Anos 1960, nos encantou com seus maravilhosos arranjos para as toadas que até hoje cantamos em nossas saudosas serestas. Sim, porque isso ainda existe. Nos 80 anos de meu irmão José, o Carioquinha, contratei dois grandes seresteiros de Brasília e, reunindo imenso grupo de parentes e demais amigos, fomos, na madrugada de seu aniversário, bater à porta de sua casa, na Quadra 714 Sul, quando entoamos as músicas de nosso passado e de seu repertório, sendo ele também um apaixonado trovador. E toda a vizinhança acorreu para também tomar parte naquela bonita festa.
Pois bem, voltando a Nilo Amaro, quase nada encontrei, na Internet, em livros ou em contracapas de disco que me fornecesse informações completas sobre sua vida e sua obra. O pouquinho que aqui lhes estou disponibilizando é o que há!
Nilo Amaro, pseudônimo de Moisés Cardoso Neves, nasceu no ano de 1928, em dia, mês e cidade indeterminados, e faleceu em Goiânia (GO), a 18 de abril de 2004, aos 76 anos de idade.
Nos anos 1950/1960, quando a Velha Guarda Brasileira conhecia seu ocaso, ele teve a brilhante ideia de formar um conjunto vocal a que deu o nome de Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano, reunindo em torno de si um coro de vozes negras femininas e masculinas – um soprano, um meio-soprano, um contralto, dois baixos um tenor e três barítonos, além de Noriel Vilela, o baixo que se destacava no grupo.
O conjunto fez muito sucesso na Década de 1960. Seu repertório era composto de clássicos da música popular brasileira – toadas, sambas e sambas-canções – de peças do folclore, e de versões para o Idioma Português de spirituals dos negros norte-americanos, sendo considerado o precursor da música gospel no Brasil. Seus maiores sucessos foram as toadas Leva Eu, Sodade, de Tito Neiva e Alventino Cavalcanti, e Uirapuru, de Jacobina e Murillo Latini.
Noriel Vilela participou dos Cantores e Ébano e também fez carreira solo. Seu sucesso mais conhecido foi Dezesseis Toneladas, versão para o Português de um clássico norte-americano do pop-country-folk dos anos 1940, Sixteen Tons, de Ernie Ford e Merle Travis. Faleceu em 1974, devido a uma reação alérgica a anestesia aplicada por seu dentista. Com sua morte, os Cantores de Ébano fizeram uma parada temporária até encontrar um substituto à altura. Retomando mais tarde a carreira, já não alcançou o sucesso obtido no passado.
Da discografia de Noriel, resta ainda à venda em sebos virtuais o elepê abaixo:
Voltando ao conjunto Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano, encontra-se ainda nos sites de venda virtual este cedê:
Não é bairrismo deste Cardeal, é mesmo a saudade que me bate no coração todas as vezes em que ouço a toada Uirapuru, porque me traz à lembrança a linda poesia do mesmo nome, sublime inspiração poética de meu conterrâneo Humberto de Campos:
Dizem que o uirapuru, quando desata
A voz, Orfeu do seringal tranquilo.
O passaredo, rápido, a segui-lo,
Em derredor agrupa-se na mata.
Quando o canto, veloz, muda em cascata,
Tudo se queda, comovido a ouvi-lo:
O mais nobre sabiá susta a sonata
O canário menor cessa o pipilo.
Eu próprio sei quanto esse canto é suave
O que, porém, me faz cismar bem fundo
Não é, por si, o alto poder dessa ave.
O que mais no fenômeno me espanta
É ainda existir um pássaro no mundo
Que fique a escutar quando outro canta.
Para que vocês, caladinhos, se deleitem, aqui vai um pouco de seu trabalho:
Uirapuru, toada de Jacobina e Murillo Latini:
Leva Eu, Sodade, toada de Tito Neto e Alventino Cavalcanti:
Azulão, canção lenta de Jayme Ovalle e Manuel Bandeira:
Down By The Riverside, foxtrote de Dazz Jordan:
Urutau, toada de Murillo Latini e Jacobina:
Nobody Knows The Trouble I’ve Seen, foxe de Nat King Cole e Gordon Jenkins