Das diversas visões críticas que se pode ter em relação à premiação do melhor jogador do mundo, o argumento mais sólido diz respeito à habitual dificuldade em estabelecer os limites entre o que é individual e o que é coletivo. Nos anos de dominação de Messi e Cristiano Ronaldo, não foram raras as ocasiões em que as campanhas dos times definiram o vencedor. Assim como na premiação de Modric após o vice mundial da Croácia, em 2018.
Hoje o mundo poderá ver uma rara ocasião em que, num mesmo campo, uma conquista coletiva e outra individual podem estar se decidindo. Formou-se uma espécie de consenso de que Paris Saint-Germain x Bayern de Munique, neste domingo, às 16h (de Brasília, na TNT), no Estádio da Luz, em Lisboa, decidirá não apenas a Liga dos Campeões da Europa. Mas também o dono do maior prêmio pessoal do futebol atual. E numa circunstância tão peculiar — com o maior jogo de clubes do mundo servindo de palco para que os candidatos mostrem seus argumentos —, uma grande exibição individual pode até convencer o grande colégio eleitoral da Fifa, formado por jornalistas, capitães e técnicos de todas as seleções do planeta, a se inclinar pelo derrotado.
Os principais candidatos são duas versões distintas de atacantes. Lewandowski e Neymar representam duas interpretações diferentes da função. O polonês é o mais implacável goleador da temporada, o que não o torna um imprestável fora dos limites da área, como provam as suas nove assistências para gols em 2019-2020, período em que marcou inacreditáveis 55 gols em 46 partidas pelo Bayern de Munique. Já o brasileiro consolida uma das mais admiráveis versões do atacante total. Ele jogou 20 partidas a menos do que Lewandowski, mas marcou 19 gols, deu 11 assistências e participou de 45% dos gols que o PSG marcou nos jogos em que esteve em campo.
Neymar: atacante completo
A influência de Neymar também se ampliou. Antes ele era um atacante, depois se tornou mais claramente um jogador que partia do lado esquerdo para buscar a área. Agora, ele circula pelo centro participando ativamente da criação, sem deixar de surgir na área para finalizar ou nas imediações dela para tentar um passe em profundidade. E o faz iniciando os movimentos de diversas formas: Thomas Tuchel vinha escalando o brasileiro partindo da ponta esquerda, chegou a fazer dele um meio-campista e, nos jogos contra Atalanta e RB Leipzig, o colocou como um “falso 9”, partindo do centro do ataque para se mover e buscar a bola.
Tanto que o brasileiro coleciona números impressionantes: dá 54 passes por jogo e acerta quase 80%; tenta 13,6 dribles por partida e acerta mais da metade; a cada partida, tenta em média 10,6 passes para os últimos 30 metros, com acerto superior a 70%; além de quase seis passes em profundidade, sua nova especialidade, a cada 90 minutos de jogo. Mbappé tem sido beneficiário: marcou seis gols ofertados por Neymar.
— Se ganharmos a Champions, naturalmente Neymar estará em condições de ser eleito o melhor do mundo. Ele está destinado a ganhar o prêmio. Espero que ele ganhe, significará que fomos campeões — disse Kylian Mbappé, que, apesar do discurso solidário, não é um personagem a descartar nesta final.
Par perfeito de Neymar, o jovem chega à decisão europeia com 29 gols e 13 assistências na temporada. Números que podem qualificá-lo ao troféu individual em caso de uma exibição de destaque na final desta tarde.
Lewa: goleador implacável
Mas os gols de Lewandowski pesam demais. E não são a única contribuição para a máquina trituradora de adversários que é o Bayern. O polonês é figura central num ataque muito baseado na pressão para retomar rapidamente a bola do adversário, ainda no campo ofensivo. Seu 1,84m e um porte físico avantajado lhe permitem combinar a capacidade de vencer duelos aéreos para finalizar ou aparar jogadas para companheiros, com um bom jogo de pivô, inclusive com bola no chão. Físico e técnica num só atacante.
— Ele é o melhor centroavante do mundo — disse Hansi Flick, técnico do Bayern de Munique. Caso marque dois gols na decisão com o PSG, o polonês igualará a marca de Cristiano Ronaldo: 17 gols numa só edição da Liga.
Ao mesmo tempo que representam dois perfis de atacantes, Neymar e Lewandowski simbolizam as formas como Bayern e PSG podem causar dano um ao outro. Num duelo de estratégias, resta saber o quanto cada time está disposto a arriscar, a manter suas convicções ou a fazer concessões.
Os franceses, que gostam de construir as jogadas desde a defesa, terão que enfrentar uma das mais bem executadas marcações por pressão do mundo. Foi assim que o Bayern desossou o Barcelona nos 8 a 2 das quartas de final. Será um exercício de valentia.
Ao mesmo tempo, o Bayern assume riscos ao pressionar no campo adversário: sobram metros de campo às costas de seus zagueiros, Boateng e Alaba. E se há um time no mundo preparado para explorá-los é o PSG. E se há jogadores especialmente prontos para tal tarefa, estes são Neymar e Mbappé. Será que os alemães terão mais precauções e farão adaptações em sua forma de jogar?
— Vamos analisar algumas coisas, sabemos que o PSG tem jogadores rápidos e vamos pensar em como organizar a nossa defesa. Mas nossa maior força é colocar nossos adversários sob pressão — disse Hansi Flick.
— Todos nós sabemos que o Bayern é o favorito. É o maior desafio da minha carreira — afirmou Thomas Tuchel, treinador do PSG.
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A final impõe outros desafios para os treinadores. Por exemplo, como o time francês, que costuma ter laterais ativos nas ações ofensivas, irá defender os lados do campo, especialmente, o direito, onde Gnabry faz grande temporada. Já Flick terá que pensar se mantém Thiago ao lado de Goretzka na dupla de volantes ou se recorre a Kimmich — que tem sido lateral —, para reforçar o setor por onde Neymar se move. Estratégias e perguntas que tornam o jogo ainda mais especial.