RIO — Não há muito segredo nos shows das encarnações pop de Ney Matogrosso. E o que ele estreou na noite de sexta-feira no Vivo Rio, onde fica por duas semanas, não se afasta muito em termos musicais do anterior "Atento aos sinais", com o qual ele excursionou sem descanso por cinco anos. A banda até era a mesma, aquela liderada pelo tecladista Sacha Amback, com destaques para a bateria de Marcos Suzano, o baixo de Dunga e a guitarra de Maurício Negão — a base para que o cantor, surpreendentemente vigoroso aos 77 anos de idade, exibisse o corpo e seus traje cintilante, dançasse e fizesse caras e bocas. Nada disso faltou a "Bloco na rua". Mas havia algo diferente e gritante: a necessidade de expressar uma inquietação política, num repertório que veio, em grande parte, daquela produção MPBística dos anos 1970 que se esforçava para dizer muito falando pouco.
Com o movimento de despir-se de uma máscara, Ney abre o show cantando a marcha-rancho "Eu quero é botar meu bloco na rua", de Sergio Sampaio, trilha de um carnaval do sufoco, na qual o cantor sublinhou, lânguido, toda a desesperada alegria da canção. "Jardins da Babilônia", da Rita Lee em tempos rock de Tutti Frutti, deu prosseguimento ao papo sobre a importância de se ter festa em meio à luta — e os acomodados que se incomodem com a insistência do cantor e não se calar. Em "O beco", dos Paralamas do Sucesso, o tempo fechou um bocadinho mais, embora tenha sido só para introduzir as malemolências ácidas de "Álcool" (do DJ Dolores) e de "Já sei", de Itamar Assumpção (um daqueles compositores de que Ney Matogrosso não desgruda).
A primeira grande surpresa do "Bloco na rua" foi a de mais um clássico setentista, o "Pavão Mysteriozo", relido com muita psicodelia moderna, dissonâncias e uns toques bombásticos que amplificaram a grande mensagem: a de que "eles são muitos mas não podem voar". Em seguida, uma nova luz também foi lançada, de forma muito feliz, só que sobre uma canção recente: "Tua cantiga". Um dos maiores intérpretes de Chico Buarque de todos os tempos, Ney pegou a música, pôs balanço latino e dela extraiu toda uma nova gama de sentidos, muito mais pecaminosos do que se desconfiava — momento de deleite do show, que foi em frente terno, romântico e, é claro, um bocado venenoso com "A maçã" de Raul Seixas.
Mas a noite também foi de lados B, como no resgate das angustiadas "Postal do amor" e "Ponta do lápis" que o cantor gravara com Fagner em 1975. Ou em "Tem gente com fome", canção censurada dos seus Secos & Molhados, e a "Corista de rock", outra da Rita fase Tutti Frutti. A elas, ofereceram-se como contraponto "O último dia", de Paulinho Moska, com batidão de funk, uma "Sangue latino"glam rock e a inédita "Inominável", de Dan Nakagawa, que se insinua como futuro hit, encerrando a primeira parte do show com um arrepiante coro. No bis, Ney não fez a menor questão de esfriar os ânimos, levado o público à catarse com um "Como dois e dois" (de Caetano Veloso, sucesso com Roberto Carlos) em voz e piano, um militante "Coração civil" (de Milton Nascimento) e um "Feira moderna"(Lô Borges, Beto Guedes e Fernando Brant) como se deve cantar. Não fosse a falta de pressão do som do Vivo Rio, a voltagem desse bloco/trio elétrico de Ney Matogrosso teria colaborado para carregar muito mais gente em seu cortejo.